quinta-feira, 10 de março de 2011

A Felicidade


Sempre flertei com a Marquês de Sapucaí.
Em dia de desfile, minha mãe fazia vista grossa para a hora de dormir.
E as três irmãs pirralhas viravam juradas diante da TV.
Até o sono vencer.

A adolescência trouxe autorização para desfilar.
Os olhos saíram da tela para enxergar o colorido real.
Foram várias escolas, fantasias elaboradas e diversão com a amiga Olivia.

Já repórter, a festa mudou.
Tinha crachá para invadir qualquer canto da passarela. Um sonho antigo.
Faltava era a autonomia para sambar. Guardava na goela minhas impressões.
O Carnaval virou serviço. Pesado.
Foram doze anos virando noites na maratona da Sapucaí.

Chegou o ano 13 da cobertura. E a alegria voltou. Surpreendentemente.

Na escala da emissora, surgiu meu nome nas arquibancadas populares.
A missão era passar a noite fitando, não as atrações, mas as reações.
Cheguei ao Setor UM, o mais democrático do Sambódromo.
Sentei entre estranhos e voltei a ser expectadora.
Num ângulo genuíno. De quem viu o Carnaval nascer nos Morros cariocas.
De quem o ninou nas vielas.
Estavam ali os personagens da canção " A Felicidade" de Tom e Vinicius.

Gente que trabalha o ano inteiro por um momento de sonho. Para tudo se acabar na quarta-feira...

Dona Ediviges, 82 anos, vestia fantasia de melindrosa na arquibancada.
Levou almôndegas de carne preparadas com esmero no dia anterior.
Conhecia todos os componentes da comissão de frente da Grande Rio pelo nome.
Todos seus "sobrinhos lá da favela".
 _ Canso de fazer angu pra eles. Precisa sustância pra aguentar o tranco, né?

Quando a escola passou, desceu uma lágrima gorda pelo rosto da melindrosa.

Em outro degrau, conheci Dona Aidir.
A primeira Rainha de bateria da União da Ilha.
Ainda com ziriguidum e postura real. Sambamos juntas ao vivo.

As amigas de Irajá, ensopadas pela chuva, batiam o queixo tanto quanto o batuque do tamborim.
E queriam mais. No show da bateria, formou-se uma nuvem de respingos alegres.
Era a roupa e a peruca das moças secando no balanço do requebrado.

Seu Jonas, um senhor mulato de bigode farto, criticava a "paradinha" da Mangueira. Ele pode.
Foi ritmista e amigo de Cartola. Enquanto isso, as netas sambavam "miudinho" no que restou do concreto lotado.

De repente, a marcação se cala. A alegria vira ilusão. O sol nasce.
_Hora de pegar a condução, minha filha. Até ano que vem._ disse Dona Ediviges.

Tristeza não tem fim, felicidade sim.