quinta-feira, 11 de julho de 2013

Ah! O Carnaval...



_Hoje vocês podem ficar acordadas até mais tarde_ disse minha mãe.

Era Carnaval. O grupo especial desfilaria naquele domingo do verão de 1985.
No quarto, já refrigerado, a cama espaçosa de Dona Maluh com  lençol macio e mantas para esquentar os pés. No colchão ainda cabia, com folga, as três filhas falantes, o encarte do jornal com detalhes de cada escola, a caixa de bombom Garoto.
O Opereta era meu. O amargo, da Fernanda, o Alô Doçura, da Ana Luiza.
A certa hora da madrugada, eu lutava contra o peso das pestanas.
Queria ter história para contar no dia seguinte.
Me gabar de que tinha visto tudo até tarde.
Queria ver a Tia Tanit desfilando. Os carros do Joãozinho Trinta. A bateria da Portela.

O sambódromo sempre me atraiu.
Quando virei jornalista, brincava, vez por outra, que um dia apresentaria a festa na TV.
Como vêem, fui uma estagiária saliente.

Sonhar não custa nada, como cantou Paulinho Mocidade.
E palavra tem poder. Samba-enredo então, nem se fala.

Chegou a hora neste Carnaval de 2013. E chegou na hora certa.
A missão era narrar os desfiles do Grupo de Acesso. A Série A.
Um desafio, afinal, a Globo nunca tinha exibido os desfiles das agremiações de sábado.
Estreei logo com 21 escolas para apresentar. Algumas, desconhecidas do grande público.
A expectativa na emissora, e fora dela, era grande.

Alex Escobar foi o parceiro na empreitada.
A dupla estreante, a priore, podia parecer heterogênea.
Ele, torcedor do América, nascido em Bangu, exímio apresentador do Esporte.
Eu, rubro-negra, da Lagoa, especialista em noticiar tiros e bombas...

Ledo engano.
Nos encontramos na paixão pelo samba, pelo espetáculo, pelo público que nos festejava nas comunidades. Foi entrosamento a primeira vista.
 Nos unimos também na vontade incontrolável de que tudo desse certo. Para todos.
Antes do dia D, a caminho das incontáveis visitas às quadras, Escobar e eu éramos calouros de show,
cantando sem parar os sambas mais remotos. Como foi bom rir das piadas infames do colega.
Pobres motorista e produtor que nos suportaram meses no carro, desafinando pra cima e pra baixo.

O estúdio Globeleza fica bem na entrada da Sapucaí.
Na esquina onde os carros alegóricos apontam a passarela.
Quando entrei de vestidinho para apresentar, lembrei do quarto da mamãe, bem refrigerado.
No estúdio, era muito homem encalorado junto.
Fui voto vencido no controle dos aparelhos de ar.
Me enrolei numa echarpe de lã e mandei brasa.

Foram duas madrugadas de diversão ao lado de bambas: os comentaristas Arlindo Cruz, Milton Cunha, Chico Spinoza e Mestre Odilon deram brilho à cobertura.
A direção de Boninho deixou a dupla a vontade. Aí foi só gingar.
Nos intervalos, a gente até se esquecia do pipi.
Era só gargalhada e sambinha.
E quando batia o cansaço, depois da décima escola, hora do energético. Levei latinhas para nós.
Bastava buscar no gelo, no canto do estúdio.

Aprendizado mesmo foi observar a tranquilidade do Escobar.
Para ele tudo flui, tudo se resolve. Rápido.

Eu estava longe dos lençóis de casa, nem tinha chocolate por perto e o encarte com as informações das escolas estava entranhado na massa cinzenta.
Mas, a saliência da estagiária estava ali.

Para narrar Carnaval, madrugada a dentro,
é preciso sambar no salto feito mulata.
Equilibrar pandeiro feito ritmista.
Comandar a bateria feito o mestre.
 Sem atravessar. Sem atropelar.

_Mãe, naquelas noite passei da hora de dormir.
Não contei a história no dia seguinte.
Narrei ao vivo. Para milhões de pessoas.

Quanta honra.