domingo, 17 de abril de 2011

JN


Oito em ponto e a vinheta inconfundível ecoava entre os prédios.
Boa noite, Cid Moreira.
Era o único momento em que meu pai ignorava solenemente as filhas.

O dólar sobe, a bolsa cai, o ator morre, o caminhão tomba e o tempo fecha.

Em uma hora, Carlos Fernando e outros milhões de brasileiros se interavam do dia. Das últimas vinte e quatro horas de acontecimentos no Brasil e no Mundo.
Audiência total.

A deferência concedida ao telejornal lá em casa, marcou minha infância.

Na primeira vez que entrei na emissora, ainda em teste para repórter, descobri que a redação era o cenário do Jornal Nacional. Naquele dia, avisei ao meu pai por telefone que estava sentada em uma das mesas ao fundo dos apresentadores. Virei assumidamente uma "papagaia de pirata", tamanho o frisson.

Na semana em que fui contratada, cruzei com Fatima Bernardes no corredor.
Ela sorriu para a estranha.

Passei a aparecer todos os dias na TV em incansáveis reportagens para o RJTV. Como faço até hoje. Mesmo assim, vez por outra, ouvia perguntas da família, ainda insatisfeita:

_Quando vamos te ver no JN?

É o mesma situação do casal que acabou de sair da igreja e já é bombardeado com a cobrança:

_Quando vêm os filhos?

Meu filho demorou para nascer em rede nacional.
Precisava amadurecer. Mostrar serviço.

Inúmeras vezes, entrevistas feitas por mim para o jornal local foram usadas em rede. Ficava orgulhosa só de ver minha mãozinha segurando o microfone nas matérias da Beatriz Thielmann.

Minha hora tardou, mas, chegou. De surpresa.
Seguia para registrar uma árvore que caíra em cima de uma escola na Barra da Tijuca. Quando nossa equipe passava pelo Túnel Zuzu Angel, começou o tiroteio em São Conrado. Ficamos presos na galeria, no escuro.
Motoristas em pânico e nós gravando. Tudo.

Cheguei com o material exclusivo na emissora.
Não assinei a reportagem naquele dia. Tinha pouco tempo de casa. Apareci apenas narrando o drama dentro da reportagem do colega.

Um feto em formação...

Anos depois, apurando as causas de um tiro que atingiu uma menina na Avenida Brasil, recebi o telefonema:

_Mariana, o Jornal Nacional também vai querer uma reportagem sobre esse caso_ disse Carlos Jardim, chefe de redação dos jornais de rede.

_ Tudo bem. Quem é o repórter que vem? _ perguntei.

_ Não vai ninguém. Você vai fechar para o JN.

Achei que era brincadeira.
Decidi então não espalhar a notícia. Só liguei para um amigo de confiança em busca de apoio. Não quis criar expectativa em casa.
Vai que desistem da matéria?

Naquela terça-feira de maio de 2010, fiz minha estréia no Jornal mais famoso do país. Enquanto assistia à matéria, lembrei da menininha que olhava de soslaio as manchetes de Chapelin. Lembrei da estudante espevitada. Da estagiária atrapalhada.

Embalada pelo sonho de criança, até hoje sinto certo arrepio quando participo do JN. Pode parecer bobagem para uma repórter já com alguma experiência... Mas, não é não.

Meu filho nasceu.

Sabe de uma coisa?
Quero uma prole.

terça-feira, 12 de abril de 2011

REALENGO


Era preciso reportar.
Entender e fazer entender.
Mas como?

Eles não vinham da favela em guerra.
Não vinham da laje da pipa.
Muito menos de uma festa regada.

Chegavam feridos do colégio.
Vinham de uma aula de horror.

O jovem uniformizado retirado da ambulância.
Mãos trêmulas. Olhos arregalados.
Em sangue. Em choque.
O tubo lhe dava o ar.

A menina chega perfurada pelo dantesco.
Cabeça aberta à bala. Futuro interrompido a tiro.
Morreu na porta do hospital.

Mais alunos iam chegando ao som incessante das sirenes.
Mais mortes eram confirmadas ao som de gritos de pavor na emergência.

Médicos na rua em prantos.
E nós, repórteres, engolindo em seco.

Seu Jair entrou no carro amparado.
Levava na mão a fotografia de uma jovem linda.

_Essa é minha sobrinha. Esse sorriso foi embora.

Uma senhora ofegante chega perto:

_Deixei meu neto na escola. Ele não está mais lá.
Veio pra cá?

_ Acredito que sim, minha senhora.

Ela tomba em silêncio na calçada.
E eu, caio junto. De tristeza.

Era preciso reportar.
Entender e fazer entender.
Mas como?