terça-feira, 22 de julho de 2014

VALE DOS PERDIDOS


Não tenho maturidade para ter guarda-chuva.
Tantos já se perderam.
De bolinhas, do camelô e até um importado que, em um desatino, comprei em um Museu de Nova Iorque. A estampa reproduzia um arco-íris por fora e nuvens no interior. Uma beleza.
Esse nem conheceu o Brasil. Algum gringo deve estar circulando por lá, cheio de estilo.

Óculos escuros também são itens descartáveis na rotina dos desatentos.
Uma vez, aos 14 anos, viajando com a família, economizei muito para comprar o par dos sonhos.
Era da marca da moda na época: o tão desejado Vuarnet espelhado.
Experimentei uns 20 modelos na loja. Toda prosa. Paguei uma nota, entrei no táxi e "deixei" de presente para o motorista muçulmano. Evaporou em tempo recorde.

Vão-se os anéis, ficam os dedos.
E fica também a dona da jóia,
desesperada, quando elas decidem sair por aí.
Sim, acredito que jóias têm vida própria.
Meu marido vai ficar sabendo, neste momento, que, outro dia,  minha aliança decidiu dar uma volta, sem mim, por algumas horas.
Nunca tiro do dedo. Na única vez, a malandrinha escapou.
Foi durante a ginástica. Fui usar um aparelho na academia e tirei a aliança para não machucar a mão.
Coloquei, irresponsavelmente, no cós da malha.

Já estava no carro, voltando, quando percebi a ausência da dita cuja.
Tarde demais. Ela já estava passeando sozinha.
Desci e refiz todo o trajeto.
Na caminhada, ofereci logo mil pulinhos a São Longuinho.
Sou reincidente. Três pulinhos é pouco. É injusto. No caso de aliança perdida então, nem se fala.
Tenho um acerto com o santo que, aliás, é poderoso e fiel. Nunca me abandonou. 

Quem achou o anel foi minha professora.
Brilhava embaixo da escada.
Pronto. Era uma moça casada de novo!
Os pulinhos? Pago sempre na hora. Onde estiver, como
uma louca saltitante nas ruas. Todo mundo olha.
Fazer o quê? Promessa é dívida.

No ano passado, relutei em aceitar a oferta da minha avó.
Dona Céu me emprestou uma jóia de família para usar no casamento.
Brincos antigos lindos. Daqueles que já não existem mais.
Dias antes, fiz um teste em casa. Dancei com eles nas orelhas.
Sacolejei a valer para avaliar a firmeza da peça e a fixação nos lóbulos.
E não é que, em pleno casório, um dos brincos decidiu dançar sozinho?
Quase acabou com minha alegria.

Após horas intermináveis, o Fred Astaire de brilhantes foi achado embaixo do sofá.
Em seguida, lá estava eu, a noiva, aos pulinhos no banheiro.
Perdi uma meia hora ali. Feliz da vida.
O noivo chegou a pensar que havia sido abandonado.

Deve haver um vale nas profundezas onde tudo que perdemos se encontra.
Tenho contribuído para entulhar o tal espaço.
Centenas de elásticos de cabelo, grampos, canetas, casaquinhos, dinheiro, chaves, cartões de débito, de crédito, escovas... Se escafederam. Não estão em lugar nenhum, garanto. Só podem estar lá.


Telefones celulares estão aí para provar que estou melhorando.
Amadurecendo, eu diria.
Só me perdi de dois aparelhos até hoje.
Um deles, na praia de Ipanema. Se escondeu na areia, o danado.
Se não estivesse no modo vibratório, teria achado.
Fiquei ligando sem parar.
Situação humilhante essa de ligar para você mesma, torcendo para a sola do seu pé sentir o tremelique do telefone.
Convenhamos que num sábado de verão, seria um reencontro improvável.
Fui embora me consolando:
 _ O telefone foi doado para Iemanjá. Ela merece_.

Com tantas perdas no curriculum, adotei uma técnica quase infalível.
Transformei-me em uma espécie de cabide de perdidos.
Perdidos não. Achados.
Os óculos, quando não estão sobre os olhos, ficam pendurados na camisa ou no porta-óculos.
Em nenhum outro lugar. Jamais.
O celular, sempre na mão. Sem largar. Nem para me maquiar.
Os elásticos de cabelo, enfileirados nos punhos.
Os anéis, nos dedos.

E o  guarda-chuva?
Ah, é um trambolho, vai?
Deixa para lá...
Faz bem tomar um banho de chuva de vez em quando.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Eu tinha uns seis anos.
Paramos em um sinal de trânsito em Botafogo quando meu pai avistou um cantor famoso no carro ao lado:
_Meninas, discretamente, olhem à esquerda. É o Léo Jaime ._ balbuciou.

Eu, sentadinha no banco de trás do Monza, abri o vidro e gritei:
_Oi Léo Jaime! Sou sua fã!_

Antes de o sinal abrir, ainda tive tempo e coragem de cantar o hit da época: "As sete vampiras". Animadamente.
O cantor riu. Meu pai não.
Levei bronca.

Não havia celular na época. Muito menos foto digital. Caso contrário, teria tentado registrar.
Afinal, tratava-se de um encontro com o cantor preferido.

Dizem que é de bom tom manter a linha e, praticamente, ignorar os famosos na rua.
Idolatria é considerada cafonice por muitos. Eu mesma canso de entrevistar ídolos disfarçando a admiração. A profissão exige  auto- controle. Confesso que, em alguns casos, no fim da gravação, peço foto. Não sou de ferro.

Sempre fui seletiva. Só revelo preferência à celebridade que realmente curto.
Certa vez, numa festinha infantil, tive a chance de estar perto de uma apresentadora de muito sucesso na minha infância. Lembro que não fiz questão de conhecê-la.

Preferia roqueiros e galãs. 
Ainda adolescente, num restaurante em São Conrado, reconheci o guitarrista Mark Knopfler, do Dire Straits. No caso de famosos internacionais fica irresistível.
Quando é que eu iria ter aquela oportunidade outra vez?
O músico não foi dos mais simpáticos. Não trocou nem palavra com a mocinha de franja.
Autografou o guardanapo molhado e pediu a conta. Voltei para mesa um tanto decepcionada.
Queria ter, ao menos, praticado meu inglês. Mas, não teve nem um mísero hi.

Já o ator Sean Connery foi surpreendente.
O vi numa loja de departamentos, em Nova Iorque, enquanto escolhia uma gravata para meu pai.
O eterno James Bond comprava umas em modelo borboleta.
Sir Connery gostou logo da que escolhi. Perguntou ao vendedor se havia outra igual no estoque.
Elogiou meu bom gosto e até perguntou para quem era o presente.
Tomamos um chá, enquanto o atendente revirava as prateleiras.
Meu pai ainda tem a gravata 007. Espero que ele também.

Em Paris, com minha irmã, esbarrei com o ator Clive Owen. Ao me aproximar, pela primeira vez, fiquei muda de tão nervosa. Minha irmã teve que falar por mim e ainda tirou a foto acima enquanto tomávamos sorvete à beira do Sena.

A sorte anda comigo.
No fim da tarde de uma terça-feira, no Baixo Gávea, almoçava tardiamente nos fundos do restaurante vazio, quando um senhor cabeludo chegou. Sentou de costas para mim.
Ele tentava pedir uma caipirinha de cachaça e maracujá com açúcar, sem sucesso.
Fiz a tradução para o garçom, que me agradeceu muito. O tal gringo também:

_Perfect!_ brindou ele.

Era Robert Plant.
Mais uma foto para meu álbum antológico.

Certa vez, sobrou até para minha querida colega Ana Luiza Guimarães.
Eu, prestes a começar a faculdade de jornalismo, reconheci num bar a, então, super correspondente da Globo em Londres. Lógico que fui importunar. Fiz várias perguntas e, sem nunca ter me visto, ela profetizou que eu, um dia, trabalharia na TV.

Hoje, de certa forma, em alcance infinitamente inferior, vivo situações parecidas.
Nada mais normal já que invado a casa das pessoas, quase que, diariamente.
E tem gente por aí que aprecia o trabalho da moça aqui. Graças ao bom Deus.

Comigo as abordagens são, eventualmente, invasivas. E eu me divirto.
As pessoas se sentem íntimas. De verdade.
Há tempos, ainda solteira, fui parada por uns surfistas sarados durante reportagem no Arpoador. Fiquei toda prosa, mas, só por alguns minutos:

_ Oi! É você mesma? Achei que era mais "fortinha" pessoalmente. Na TV, você parece mais gostosa._ disse o gaiato.

O cinegrafista Sérgio Leite, que estava comigo na praia, até hoje, me chama de "Magrela Gross", graças ao comentário daquele surfista.
Para felicidade geral, o apelido pegou.

Outro dia, aguardava uma mesa numa lanchonete com meu marido, quando um senhor atleta se aproximou. Se declarou meu fã e pediu permissão ao Guilherme para me dar um abraço.
Foi tão afetuoso que me levantou do chão. Rimos muito.

Uma senhorinha, meses atrás, me apertou a cintura no meio da rua.
_É para ver se você é magra mesmo ou se usa cinta para esconder as gordurinhas_ disse.

Comovente mesmo é o reconhecimento das crianças, sempre tão verdadeiras.
Esse ano, soube de um caso inesquecível.
Recebi carta de agradecimento de uma mãe de Del Castilho.
Ela relatou que seu bebê, de nove meses, só para de chorar quando ouve minha voz na TV.
Segundo ela,  sou "mais eficiente que a "Galinha Pintadinha"" .

_Conte comigo, Marcia. Eu é que, desde já, sou fã do pequeno Marcelinho.
Saúde.