quarta-feira, 10 de novembro de 2010

É big, é big...

Dia seis de abril de 2010, quatro e meia da manhã.
O telefone toca estridente. Espeta o sono como agulha na ponta do dedão.

 _Vem pra cá. Precisamos de você.

Lá fora, a noite seguia molhada. Encharcada. Horas torrenciais.
A ladeira da minha rua era leito para um rio inédito que descia voraz do alto da Gávea.
Larguei a cozinha surpreendentemente alagada.
Galochas, capa e lá fui eu a pé para o bairro vizinho.
Na esquina escura, um mendigo se equilibrando no muro de uma mansão:

_ A moça endoidou? Vai sair andando pra onde? _perguntou ele.

Consegui chegar até o Hospital Miguel Couto onde uma fila de ônibus fora barrada pela enorme poça.
Por acaso, encontrei uma equipe da Globo. Me juntei ao grupo. Começava aí uma maratona de quinze horas ininterruptas de trabalho no dia em que a chuva paralisou boa parte do Estado.

Pobre Dona Amélia. Saíra de noite da Baixada Fluminense para uma entrevista de emprego na zona sul. Acabou ilhada no banco do coletivo. Ao lado, uma mãe tentava acalmar a criança no meio do dilúvio. Olhares de espanto, de desamparo.

Fomos para o Túnel Rebouças, principal ligação entre as zonas norte e sul da cidade.
O carro navegou até lá. Os acessos estavam com mais de um metro de inundação.
Centenas de motoristas seguiam presos nas galerias sem rota de fuga.
Era preciso esperar o nível da água baixar, mas o temporal não dava trégua.
Paramos ali.
A Lagoa Rodrigo de Freitas, transbordava em lama e esgoto.
Bueiros eram puro enfeite.
Enquanto entrava ao vivo nos telejornais, os pingos batiam forte no rosto.
A água invadia a galocha e enrugava os dedos.
 Em poucos minutos, a roupa ensopada.
Lacraias e baratas surgiam boiando na enchente.
Por vezes se aproximavam de meu jeans submerso.

_Falamos ao vivo da Lagoa, zona sul da cidade. Se você está em casa, fique onde está. Essa é a recomendação da Defesa Civil. _ dizia eu.

De repente, o cinegrafista Carlayle André me manda afastar às pressas. Ventava forte e uma árvore ameaçava desabar em nossa direção.
À tarde, já com a rua mais seca, uma amiga que mora ali perto desceu com meias e camisas.
Me assistiu durante toda a manhã na TV e teve clemência. Tirou a foto que ilustra este texto.
Fiz a troca de roupa no banco do carro. O gesto piedoso deu ânimo.
Sabia que a cobertura não teria hora para acabar.

Em um raro minuto de descanso, encostei no capô do carro e rezei para São Pedro.
Nasci no Rio e nunca tinha visto tal revolta natural.

Por volta das sete da noite, a chuva diminuiu.
Cheguei em casa às 10 e, por orientação do departamento médico da empresa, no banho, lavei o corpo com uma mistura de cloro.

 Olhei no espelho do banheiro e disse a última frase do dia:

_Parabéns Mariana. Muitos anos de vida.

Aquela terça-feira de abril era dia do meu aniversário...