quinta-feira, 26 de maio de 2011

Heróis ocultos


Fim de tarde. Setembro de 2001.
Cheguei à Linha vermelha as pressas.
Um incêndio embaixo do viaduto da via expressa lambia casas de papelão.
Uma comunidade miserável erguida sob concreto e asfalto.
Famílias corriam para se salvar.
Porcos encoleirados num canto escuro, aos gritos. Ambiente insalubre.
O homem desesperado observa os destroços em chamas e grita pela filha.
Um bombeiro invade o fogo, sem titubear.
Resgata a criança. O que restou dela.
Era um pequeno corpo desfigurado nos braços de um bombeiro inconsolável.

Em maio de 2004, o esgoto tomou conta da principal Avenida da Lagoa, na zona sul. Jorrava de um grande duto rompido. Invadiu carros, parou a região. Chegam técnicos do estado e desligam as bombas. A medida não surte efeito. A cachoeira fétida ainda borbulhava com força.
Um deles, então, põe máscara e roupa especial.
Mergulha no coco, sem titubear.
Contém o vazamento e sai do buraco sorrindo.

No ano seguinte, uma adolescente é encontrada ferida e traumatizada numa calçada em Del Castilho. O pai bêbado é quem batia e violentava a jovem.
Marina, de 16 anos, parecia um bicho acuado na sarjeta. Agredia quem tentasse lhe oferecer ajuda. Surge uma psicóloga que, no primeiro contato, levou uma bofetada no rosto. Depois, teve uma mecha de cabelo arrancada pela jovem ferida. A especialista não desistiu.
Depois de mais de uma hora ajoelhada ao lado de Marina, ganhou um abraço da menina aos prantos.
E a levantou do chão.

Nos primeiros raios de sol do primeiro dia de 2006, minha equipe estava a postos em Copacabana. A festa do Reveillon tinha acabado. A pista da orla coberta de latas e garrafas. Quilômetros de sujeira no horizonte da princesinha do mar.
Surgem homens de laranja e suas vassouras.

Pergunto a um deles:

_ Por onde vocês pretendem começar?

_ Nós não pensamos em começar. Temos é que acabar a limpeza. E logo.

_Feliz Ano Novo pro senhor._ disse eu.

_ Para você também. Boa reportagem.


Homenagem aos personagens cariocas que, assim como nós jornalistas, são sinônimo de resiliência.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A Fada do Mercadão


Mulheres suspirando. Adolescentes sonhando acordadas.
E o ar do planeta carregado de amor.
Paramos em frente à TV, naquela sexta-feira de abril, não para ver os desdobramentos da guerra ou mais uma tragédia natural.
Queríamos o beijo, não a bomba.

Um casamento real com pinceladas de "Era uma vez...".
Todos os personagens ali:
A princesa plebeia, o noivo fardado, a madrasta má e até as irmãs, ou primas, mocreias.
Não há imaginação curta que não estique.

_Eu também quero me casar com um príncipe_ diziam moças cariocas diante das imagens.

Aquele dia, no Mercadão de Madureira, eu não fui princesa.
Fui fada. Fada madrinha.

Estava em um dos mais tradicionais mercados populares do Rio com uma missão: mostrar a busca por cópias de acessórios usados pela princesa Kate.
O anel de noivado, que havia sido de Diana e agora brilhava no anelar de Lady Middleton, era artigo quase esgotado na versão made in China.

Minutos antes da entrada ao vivo no RJTV, procurei pelos corredores do centro comercial uma jovem para entrevistar.
Queria que uma das tantas cariocas encantadas com o casório, declarasse seus anseios no telejornal.

Envergonhadas, elas não se dispuseram a dar entrevista.

De repente, surge uma mulher de uns quarenta anos.
Com tiara de tule na cabeça e bom humor, se apresentou como candidata a princesa. Elisa trabalha como vendedora de plantas em um quiosque do Mercado.
Achei inusitado.

Primeiro fiz perguntas para a gerente da loja de bijuterias.
O estabelecimento estava faturando alto com o casamento real. Vendera, em horas, dezenas de anéis de "safira" por módicos quatro reais.

Depois, apontei o microfone para Elisa:

_ Você já garantiu seu acessório "real", não é isso? _ indaguei ao vivo.

_ Sim, Mariana. Estou pronta pra ser princesa.

_ Só falta o princípe? _ remendei.

_ Pois é... Alô, príncipe Harry! Eu estou aqui! _ disse ela, olhando para a câmera sem pudor.

_Quem sabe o irmão do príncipe William não te dá uma chance? _ completou Ana Paula Araújo, do estúdio.

Rimos demais.
Quando nossa equipe já estava indo embora, Elisa se aproximou com um imenso vaso nos braços. Era uma orquídea roxa belíssima.

A vendedora, com sorriso iluminado, me deu a flor em agradecimento:

_ Sou apaixonada por um cara há tempos. Ele nunca me levou a sério.
Depois que me viu na televisão, agora a pouco, ligou para mim cheio de declarações bonitas. Estou até emocionada. Obrigada, minha fada.

Gerson queria ser o príncipe de Elisa.

Que sejam felizes para sempre...

Sim Salabim.