sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Ousadia

Na sacada, à espera de ousadia.
A luz da lua morna percorre o castelo.
Ilumina a retina de paixão celeste.

O perfume da sorte florida irradia eletricidade, permeia o ar de batimentos.
Nada marcado. Intuição fresca é quem agita o peito.
Arrepios umidecidos pelo sereno da esperança.

Sopra o vento da certeza.
A princesa se apronta para encontrar o desconhecido:
Especiarias amaciam a pele, escova transpassa nós, madeixas entrelaçam em fita de cetim, beliscões coram a tez.

A matilha late no pátio de tochas.
Tranças a postos para arremesso na varanda.
Uma corda. Uma chave. Silêncio.

_Quem virá coração? Por que me iludes?
_Vou decepá-lo à espada de mim.

Luta inglória com rolha de vinho raro, da adega profunda dos anseios. Vence o enrosco insistente com carisma nato.
Derrama em cristal suas aflições. Se lambuza de verdade.

Coragem mistério! Felicidade genuína te espera.
Madrugada a dentro.

De repente, o grito seco.
Palavras vibrantes ecoam no vilarejo.
O belo jovem vence guardas da Independência.
Escala a fachada, invade o sorriso surpreso.
Toma nos braços sua prenda.
Um rompante.

Derretimento qual vela acesa.
Amor insofismável invade o aposento.
Apaga a altivez em breu de entrega.
Beijos infinitos, flutuantes.

Corpos se moldam mudos como escultura divina. Eterna.
Gemidos reencarnados ocultam alicerces do amanhã.

Como será o amanhã? O despertar do sonho?

Acorda afoita. Mais certa que antes: Ele virá em breve.
Montado em tordilho sem sela.
Entregará em bandeja de prata sua fé.
À tempo, em tempo.

Segue a princesa feliz na sacada.
À espera de destino oculto.

De ousadia.

Dorme moça.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Feliz de mim. Feliz de mim só. Somente só. Vontade de mim somente. Só de mim, só feliz. Vontade só. Feliz de mim. Feliz de mim. Só.

domingo, 15 de agosto de 2010

Adeus Mariana


O caudilho não queria falar. Rei da retórica, Leonel Brizola estava reticente. Lacônico com a imprensa há semanas.
A raposa política era o lanterna das pesquisas naquelas eleições em 2000. A tarefa da estagiária era entrevistá-lo a qualquer custo.
A reportagem só iria ao ar com a declaração de todos os candidatos à prefeitura.
Tentei por telefone em mais de quinze ligações.
Na última, um brinde da sorte:

_Alô, quem fala? _Boa tarde candidato.
_A tarde é mesmo boa, mas não vou falar com jornalistas._disse ele.
_Aqui é Mariana da Rádio CBN.
_Mariana? Sabe que estava pensando nesse nome agora?

Surgiu um Brizola nostálgico.
Desatou a cantar uma canção com meu nome. Tinha até alguma afinação.
A letra era uma despedida. Sobre um homem que decidira largar uma mulher durona. Minha xará dos pampas.
Depois de soltar a voz, revelou que se tratava de uma composição antiga que marcara sua adolescência.
_Cantava esta música para minha primeira namorada em serenatas. Mariana era uma gaúcha brejeira. Quase casei-me com ela. Nunca mais encontrei um disco do grande intérprete. Uma pena.

Brizola se referia à Pedro Raimundo. Típico cantor sulista. De voz melodiosa e pouco conhecido na Região Sudeste.
Resumo da serenata telefônica: O candidato cantou, mas, não falou. Encerramos a ligação em seguida. Meu chefe não gostou. E eu, não me dei por vencida.
No mesmo dia, invadi a Central de arquivos do Sistema Globo de Rádio, uma das mais completas do país.
Os técnicos encontraram a machadinha que quebraria o silêncio de Brizola: Raras gravações do tal cantor gaúcho em vinil, incluindo o hit “ Adeus Mariana”. Gravei a fita-cassete com uma música. Na época, gravadores de CD ainda não eram acessíveis. Deixei no prédio de Brizola, em Copacabana, com um cartão: Para o senhor recordar. Envio apenas uma das dezenas de músicas que encontrei na voz de seu cantor preferido. Se quiser ouvir as outras, ligue para a redação."

Minutos depois, o telefonema emocionado:
_ Mariana, o presente me fez remoçar. Sinto-me revigorado para continuar minha campanha. Agora vai.

Não foi.
Brizola me deu entrevista naquele dia. Nunca mais se negou a falar comigo. Me atendia prontamente, sempre cantando. Depois das eleições, ganhou outra fita-cassete. Dessa vez, com os dois lados repletos de canções.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Drink com Fidel


Horas de plantão no carro de reportagem da Rádio CBN.
Faustino e uma jovem estagiária decifraram todas as palavras cruzadas. Motorista decano do Sistema Globo, Faustino era fumante inveterado.
Um Galaxy atrás do outro.
O bigode não amarelava. Seguia negro feito pena de tucano.

Já faz 11 anos. Fidel Castro estava no Rio. Protegido pela Segurança Nacional e de Cuba. Um cerco de 40 homens.
Na porta do hotel, em Copacabana, colegas renomados a espera de um adeus que fosse. Vencidos pelo cansaço, foram embora.
Nós? Ficamos. Não por vontade própria. Por ordem do chefe de reportagem, Luciano Garrido. Cheio de intuição.
Anoiteceu. O bairro fervia com ambulantes e prostitutas nas calçadas.
Já passava das 11 e veio a surpresa:
El comandante e cerca de 30 guardas saem à pé. Parecia miragem. O grupo seguiu para o bar “Havana Café”, de um hermano da ilha. Sentaram na varanda.
Eu e Faustino logo ocupamos mesa próxima, sob olhar atento dos guarda-costas. O líder cubano abraçou o dono do bar e pediu um Daiquiri.
Pedi o mesmo, propositadamente.
Minutos depois, desfila o garçom com os dois drinks em copos longos. Serviu primeiro o cliente ilustre. Fidel pergunta para quem é o outro copo. O garçom aponta para mim. Recebi então um olhar firme, emoldurado pela vasta sobrancelha.
Em pouco tempo, Fidel pediu mais um, e eu, também.
Foram mais três rodadas em prol do approach. Os seguranças relaxaram.
Chegamos ao estágio das risadas. Em meia hora de conversa sobre Pelé, convenço um dos guardas a sugerir uma entrevista a Fidel, com a promessa de conseguir um autógrafo do rei do futebol.
Incrivelmente, atendeu meu pedido.
Fidel fez sinal. A estagiária tremeu. Suou.
Aproximei-me com gravador em punho.
Uma figura imponente, mãos robustas, unhas feitas e voz desafinada.
O perfume era legítima alfazema.

_A ti te gustan Daiquiris? _perguntou Fidel
_Si Comandante. _ disse, trêmula.
_ Tienes muy buen gusto para lo que tomas.
_ Gracias.
_Me tengo que ir, buenas noches, senhorita.

Ainda tentei esticar a conversa... Em vão.
Lá se foi minha entrevista exclusiva cercada por homens armados.
Voltei para a mesa, frustrada. Bêbada de rum.

O chefe Garrido foi poupado do episódio. Nunca soube do encontro.
Um pacto entre mim e Faustino, agora reverberado.

Ao menos, saímos premiados.
Quando pedi a conta, a cortesia:
_ Pode ir tranquila, repórter. Fidel gostou de beber com vocês. Fez questão de pagar a conta.

domingo, 8 de agosto de 2010

Paisagem

Belo monte. Surge imponente entre as nuvens. Reflete no espelho d´água. Enfeita o horizonte. Enfrenta a tempestade, a solidão. Impávido colosso. Brilha feito ouro ao sol. De flora abundante. O ninho do gavião. O quintal dos primatas. Atraente. Espia do alto. Provoca mosquetes. Atiça estacas. Arrebenta cordas. Destroça martelos. Aos insistentes, o ar rarefeito. A pressão atmosférica. Pedra dura, desconfiada. Sonega o furor. Sombreia o óbvio. Mesmo imóvel, escapa da sorte. No ápice, uma avalanche. O vento cortante. Belo e covarde monte. Não te quero tolo. Hoje, abandono a trilha. Rasuro a escalada. Dobro a bandeira. Sublimo o desafio. Fechei a janela. Te apaguei de minha paisagem.