domingo, 27 de junho de 2010

Ode às estreitas genuínas

Sou moça de contornos sutis.
No balneário das musas de albumina, ossos proeminentes podem ser incômodos.

Magricelas fazem malabarismo no sinal. Escondem a virtude em babados e estamparias bufantes, como loba que eriça pelos para atrair o macho.
Pobres cambitos. Testam operários e passam sem assobios.
O doce balanço a caminho do mar é azedo. Apelidos infames repercutem no salão:

 _Espia só o esqueleto ambulante!

No embate com a profusão de seios fabricados, traseiros eqüinos e cabeleiras alisadas a ferro, uma competição desleal. Naturais versus biônicas.
As magras saem destruídas do primeiro confronto.
No dia seguinte, a busca pela lingerie encorpada, a blusa decotada e por fim, o analista.

Agora saibam: A derrota dura pouco. A vitória vem. Chega trotando lenta e saborosamente para estreitas genuínas. Essas sim, conhecem seu potencial. E como é vasto, acreditem.

Pratos fartos, calorias a perder de vista, combatidas de pronto pelo amigo inseparável, o metabolismo. Alegria de viver e de comer.
Entre a caneleira e o canelloni ficam com la Pasta, com muito parmesão por favor.
As medidas são portáteis e suaves. Carne que molda pontos cruciais. Gordurinhas bem localizadas. Malemolência na pista. Leveza perfumada. Energia de sobra.
As curvas estão ali, basta saber dirigir na estrada. Manobras surpreendentes não se revelam em shortinhos colados. Ficam na penumbra a espera de Fiat lux.
E quem faz a luz, sabe do que estou falando.

A casa do vizinho é espaçosa. A delas é pequena e tem cor.
Por vezes, adorariam um gramado mais verde em alguns canteiros...
Compensam então, com telha avermelhada no topo. Cobertura moderna, impermeável, inteligente.

Mulheres são insatisfeitas por natureza. Todas mudariam um detalhe ou outro no quintal.
As magras não são diferentes. Precisam apenas de estima arquitetônica.
Uma obra sem bisturis ou enxertos.
A ferramenta mestra é um engenheiro sabichão e só.

Feita a reforma na confiança e um abraço:
Quem visita vira hóspede.
Para valorizar a carcaça, abundância, não de nádegas, mas de charme.
Dom que escapa ileso da gravidade.

As fininhas natas também eriçam os pelos, só que sem intenção de atrair a matilha.
O arrepio é focado. Visa um alvo por vez.

Sim. Sou moça de contornos sutis. Com orgulho.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Rabiscos na Caverna


A comunicação nos destaca entre as espécies.
Agora, a descoberta: A retórica, que tanto vangloriamos, é também dúbia e perigosa.
O uso incoerente, displicente, tem alcance que os olhos vêem e o coração sente.
Diálogos jogados podem doer tanto...
Falar é bom, mas, o verbo pede moderação.
O Dizer globalizou-se.
Bebe de fonte tecnológica e tem sede.
Ganhou status na internet pro bem ou pro mal.
Sabemos mais uns dos outros, porém, não estamos juntos.

A conversa? É no chat. O bate-papo é virtual. A paquera, via Skype.

A frase deslocada no blog, o termo deplacê em SMS, exclamação a mais ou a menos na grande Rede, pode desviar caminhos, implodir o HD do destino, se é que ele existe.

Eloqüente que sou, só aprendi na maturidade a lidar com tal virtude.
Mesmo com certa cautela literária, ainda derramo água fora da bacia. Provoco interpretações e, subseqüentes, inundações.
Na dúvida melhor calar, fechar a bica ou o bico.

Palavras ambíguas transbordam na tela, agitam o peito, inflam o ego e, não raro, decantam perversas na memória. No planeta interligado e ligeiro, a abundância de substantivos é um choque térmico. Entorna como balde de água gélida sobre a brasa do inesperado.

Para que falar o que se pode manifestar em gestos, olhares, aromas?

Hoje deleto exageros, enxugo exaltações. Raciono.
Busco o sublime encontro de energias irmãs e essas, não falam, não molham. Queimam.

Não quero perguntar quem és. Quero descobrir.
Não quero ler seu perfil. Quero ver-te.
Não quero escrever sobre ti. Quero encarar-te.

Um dia em encontro único, ainda hei de dançar com instintos a música muda. Deixarei alegrias gravadas em desenhos rupestres nas cavernas paleolíticas.

Sentimentos são simples como símbolos riscados na pedra.
Nada de letras, só figuras.
Hoje, O DIZER não enobrece.

O QUERER é o que me destaca entre as espécies.

sábado, 19 de junho de 2010

A vida alheia

Um ano e meio na Gávea.
Em dias úteis, o apartamento vira quarto de hotel.
Clássica tríplice dos proletários: Banho, jantar e cama.
Terça passada, madruguei, trabalhei e, milagrosamente, voltei cedo ao meu, digamos, Meridien.

Na agenda, nem manicure, nem ginástica, muito menos exame periódico.
O compromisso era um só:

Ficar em casa. Um deleite. Uma riqueza.

Apreciei, sem pressa, a chegada do sol. A hora exata da invasão de luz na fachada. Raios que inspiram o humor de qualquer um. Som de passarinhos. O recanto bucólico recebe visitas encantadoras de manhã. Andorinhas, periquitos e até tucanos debruçam na varanda. Como quase nunca estou em casa de manhã, a revoada se espanta comigo.

Quebrei o gelo oferecendo parte do meu café da manhã.
Morangos e bananas divididos irmãmente.

Sem alarmes ligados, o sono da beleza no sofá, agarrada a quatro almofadas.
Um aroma inebriante de carne assada toma conta da sala alertando que é hora do almoço.

João Pedro chega da escola e exclama na garagem:

_O carro da minha namorada está aí, mamãe!

Meu vizinho de andar tem apenas cinco anos. Um dengo só com a moça do fusquinha prata que vos escreve. Menino esperto. Ganhou bombom de sobremesa.

De repente, o aviso infeliz de que a vida segue lá fora: Toca o interfone.

_Quem fala? Pergunta a voz sinistra.
_É Mariana. Quem é?
_Cabo Ferreira da Polícia Militar.

Pausa para o inusitado. A veia jornalística infla feito balão com ar quente.

Uma patrulha chegara ao prédio para averiguar denúncia.
Uma mulher estaria sendo espancada aqui.
Vou pra janela incrédula. Lá estavam dois Pms invadindo com fuzis meu paraíso.
Ouço gritos agudos nas redondezas.
Sem susto, dei risada.

Era o diretor de teatro do terceiro andar ensaiando esquete com uma estrela global.
Atuação tão convincente, que alarmou a vizinhança.
Ensaio com imediata aprovação de público, crítica e polícia...
Soldado Marcos e Cabo Ferreira deram meia volta, frustrados.

Enquanto isso, no primeiro andar, o médico comemora gol da Nigéria.
Antes do fim do jogo, uma ambulância pára no portão para sequestrar o doutor.
A emergência acabou com a torcida. Calou a vuvuzela.

Começa a reunião de condomínio no pilotis. À essa altura, agradeço por não ser proprietária do imóvel. Desavenças e reclamações rompem o resquício de silêncio. Difícil mesmo é não ficar escutando. Como ignorar diálogos tão hilários? Pincei uma, entre as inúmeras frases de pura finesse literária do encontro:

_Você é um porco que joga guimba de cigarro no meu capô! Vai pagar a pintura, fumante imundo!

Moradores em franca batalha e eu, de pantufas, tomando chá de camarote.

Antenas continuaram ligadas no fim da tarde diante de barulho animado no andar de cima.
A moradora cinquentona, de namorado novo, embala o teto com um festival de percussão.
Peripécias sexuais que não se limitam ao quarto. Na cozinha foi um transe.
O casal que perdoe a intromissão mas, a calmaria da Rua, não encobre sussuros.
Muito menos gemidos vigorosos.
Como orelha não tem pálpebra, acompanhei boa parte da festa.

Feliz em saber que existe tal tesão entre coroas às quatro da tarde num início de semana.
Tudo muito saudável, muito constrangedor, muito divertido.
Deixo os pombinhos em paz e gasto minha energia pintando as portas da sala, amareladas pela intensa umidade.

Na escada, entre pinceladas na soleira de entrada, um desfile de agradecimentos:
A celebridade aplaude minha intervenção junto à polícia,
o garoto surge fagueiro com boca lambuzada de chocolate
e a vizinha devoradora flutua nos degraus.

Essa, nem me viu...
Ficar em casa. Um deleite. Uma riqueza.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Banquete

Revelo aqui paixão das mais reclusas:
Tem um dia do ano no qual me rendo a um ritual cristão, à moda da casa.
O dia de um amigo especial.

O carinho vem de longa data.
Canções juninas e preces ensinadas no colégio alertaram para o encanto do senhorzinho cândido que carrega uma criança. Devoção que começou um pouco abusada, no auge da adolescência.

Pobre Santo.
Recuperações escolares, indiferença do menino amado e até espinha na hora errada, eram motivo para velas e orações.

Hoje temos relação bem mais comedida. Agradeço muito e até peço, mas, só em ocasiões realmente desesperadoras.. Sempre bem sucedida.

No último dia de Santo Antonio em 2010, não houve acrobacias para escapar de reportagens. A escala de plantões, caprichosamente, ajudou.

Minha homenagem não foi à igreja. Raramente vai.
Prefiro conversas mais íntimas.

Naquela manhã de inverno precoce, refleti em dez quilômetros de calçadão.
Comprei frutas, flores e ingredientes.

Me pus a cozinhar um cardápio dos deuses. Dos Santos.
Diante do fogão, vinho tinto, trilha sonora, hortaliças, temperos e camarão graúdo. Pura meditação abençoada por um catolicismo adormecido, por hora latente, entre panelas, grelhas e molhos.

Cheguei a fazer convites para desfrute conjunto do banquete.
Nem precisava...
Já tinha um convidado para o jantar.

É certo que no fim do farnel, meu querido Antonio, piscou os olhos.
Eis que surge visita inesperada, que não chegou a azedar a comida.

Santo preferido tem poder.
O intruso, o buquê e o rosê foram prontamente defenestrados.

De volta ao batente de alma lavada e bem alimentada.

Com a benção do amigo na carteira, nas pegadas, na sombra.

Salve!

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Coagulação

Segue a vida. Sem arrependimentos.

Manhãs rosadas, tardes atribuladas, noites geladas, vinho, aquisições musicais, festa, gargalhadas e dança. Ah! A dança. Em par, entrelaçada, nuca perfumada, inaltece a alma.
 
 
Infortuito. Telefone maldito de cabo infinito e alcance imediato, toca impiedoso.
Batidas enervam, diástole sufocante.
 
 
Do outro lado, o estrago. A nesga de ferida aberta.
 
 
Enfrento num relance impensado. Memória feroz de um timbre que não esqueço.
Feliz da tecnologia ainda sem aroma.
Amenidades e farrapos. Histórias e estórias remetem ao esforço de outrora, ao desperdício.
 
 
Nostalgia e asco em uma única frase. Vícios, clichês, dejavus.

Passado de guerra e paz, no front, em segundos, à espreita da bandeira branca, de um descuido da estima, um vácuo da carência.
Explica, implica, suplica.

Nuvens negras, carregadas, sempre avançaram no meu sábado de praia.
No respiro, o descanso tem prazo.
Moto contínuo: a barraca fecha, a canga dobra, o matte seca, o polvilho apodrece.
 
 
No horizonte, um rasgo de céu azul, num tom especial.
Profundo. Maduro. Inigualável. De tão poderoso, colore qualquer dúvida, desloca a camada glacial.
 
 
Terral e força mental firmam a previsão. Volta o sol inclemente, que queima, entranha, enrijece.
 
 
A nuvem passou, a fresta apagou, a brecha fechou, a nesga sarou. Coagulou.
Um mergulho.
 
 
Segue a vida. Sem arrependimentos.
Ao menos pra mim.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Where´s the ground?

Pegadas na pedra fria no quarto do 201. Agora, já calçada, a descer os degraus de madeira barulhenta sigo no paralelepípedo da garagem. Lá estão meus pés sobre embreagem, freio. Acelero. Caio no subsolo de borracha, cimento, viajo os andares do elevador. Tapete. Mármore de empresários. Lama do subúrbio. Poça da Gávea. Asfalto sobre o metrô. Ginástica no alto do prédio. Banho sobre o suporte. O direito, o esquerdo, clamam por chão. O corpo clama por chão. Há tempos... Mas onde? Cadê a primeira camada, de onde colho a pura energia do centro da Terra?
Há quanto tempo não pisamos no chão de verdade... Se é que já tivemos esta experiência...
Sigo pra praia, mas, nem a areia é incólume, com buracos, estoques subterrâneos. Num mergulho solitário, afundo. Um toque rápido do dedão, insuficiente, sufocante. Avisto um gramado no Aterro, sinônimo de assoreamento. Sobreposição que afastou o mar. Ali, descalça, louca, me engano, me deleito. Me olhem sim, não importa...
Caminho na terra molhada, penso, sonho. Entranho a sola, sujo os dedos, a unha, o esmalte cintilante.
É tarde. Calço as meias, sintéticas, coreanas.
De volta ao solo duro, criado.
Malcriado.