sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Certezas?

Tenho algumas certezas na vida. Sei que um dia vou morrer.
Também sei que, enquanto for repórter, trabalharei no Dia de Finados.
Mais precisamente, em algum cemitério da cidade. E, embaixo de chuva... Em doze anos de carreira, nunca escapei.

Em 2008, lá estava eu em um dos maiores cemitérios da América Latina. O Caju na zona portuária. Comecei a reportar o movimento de visitantes cedinho. Eram esperadas milhares de pessoas.
Depois de inúmeras entradas ao vivo, tinha a missão de gravar reportagem para o RJTV. Seguimos em direção aos túmulos das celebridades, que ficam mais cheios.
No canto direito, onde descansa Noel Rosa, umbandistas entoavam canções do poeta da Vila.
Entre charutos e tambores, ganhei até um passe.
Nunca soube se Noel era ou não umbandista...
Mas, foi bonita a homenagem.
No meio da multidão, surgem dois coveiros. Dois senhores, veteranos das sepulturas, que vieram revelar à nossa equipe curiosidades mórbidas:

_Sabia que Dona Zica, viúva de Cartola, vinha visitar o túmulo dele toda semana? Trazia sempre uma florzinha branca, rezava e cantava baixinho.

_Já Jamelão, intérprete da Mangueira, foi sepultado com elásticos entre os dedos. Parece que ele tinha mania desses elásticos.

A revelação mais intrigante porém, veio depois:

_Tim Maia está enterrado aqui há um tempão. E, de uns meses pra cá, ele deu pra cantar à noite. Outro dia, ouvimos o repertório quase todo.

_E aplaudiram ao menos? _perguntei

 _Claro! Somos fãs do cara.

Depois da conversa, decidimos ficar perto do túmulo de Tim. O cinegrafista deixou a câmera gravando sem parar. O sol foi se pondo. O cemitério, esvaziando. Nos propusemos a ficar além do horário.
Podia partir daí uma inédita reportagem para o Fantástico, nos dez anos de morte do cantor.
Eu ainda seguia corajosa. Quando realmente anoiteceu, veio o receio.
Se ouvisse um "Vale Tudo" ou um "Me dê motivo" de repente? Ia ter correria.

Foram horas em silêncio sepulcral na expectativa. Os dois coveiros trabalhavam há mais de 20 anos no Caju. Estavam danados com a timidez de Tim:

 _Não vai cantar hoje não, é? _clamavam.

No caso dos coveiros, eram três as certezas:
Eles sabiam que um dia iam morrer,que iam trabalhar sempre no feriado de Finados, E que almas penadas existem.

Tim Maia ficou mudo naquele dia. Não apareceu para o show.
Talvez, fosse ele mesmo...