sábado, 2 de novembro de 2013

ANSIEDADE

Vivo, logo, estou ansiosa.
Estou ansiosa, logo, vivo.

Ansiedade é sentimento que move.
E fica entranhado na memória.
Muitos não aguentam.
Para mim, sempre foi combustível.

Plantei uma muda, quando criança, em Búzios.
Passei meses esperando o próximo verão para vê-la florir no canteiro. Em casa, imaginava que altura ela estaria.
Se abelhas já estavam se alimentando do pólen.
Se a planta já tinha envergadura para fazer sombra no gramado.
No Janeiro seguinte, ela ainda nao tinha flores. Esperei mais um pouco.

Aos 11, chamei os amigos para minha primeira festa "discoteca" no apartamento da mamãe. 
Comprei roupa nova e botas de borracha branca, um must para a época.
Mal dormia pensando no momento em que, como aniversariante, teria o direito de abrir a sessão de Karaoquê cantando Kid Abelha para os convidados.
Muitas vezes, o antes é melhor que a festa em si.

Funciono bem sob pressão. Sempre deixei para estudar na madrugada anterior à prova.
Botava o despertador para as duas da madrugada e ia, de pijama, para a sala silenciosa  começar os exercícios.
Sempre deu certo, mas, sentia uma angustia danada.
E era delicioso.

E no Natal?
Será que vou ganhar a banheira glamour da Barbie que tanto sonho?
A família colaborava para a expectativa infantil aumentar.
Lá em casa, presentes só eram abertos à meia noite, em meio a bocejos dos pequenos.
Chegada a hora, rasgava os embrulhos sem dó. Ignorava cartões ou pirulitos de brinde.
Era mesmo o que eu queria! Os olhos brilharam e lá fui eu dar banho na boneca. Na hora.
Lembro que encharquei de espuma o tapete persa da vovó.
Mas, é que a Barbie estava louca para se banhar. Fazia muito calor.
E eu, louca para estrear o mimo.

Nem sempre minhas angústias foram sanadas do jeito que imaginei.

Na adolescência, mandei carta de amor para o menino mais bonito da escola.
A magrela aqui se arriscou.
O papel de carta era caprichado. Com aroma e tudo.
No dia seguinte, após uma noite sem dormir, o garoto me esnobou .
Ainda fez graça com os corações que desenhei no envelope.
Ao menos, meu coração bateu forte na noite anterior.
É o que vale.

Na festa junina do Clube fui escolhida como a noiva do evento.
Minha mãe mandou fazer um vestido caipira de renda branca.
Usei maquiagem nos olhos, véu e até buquê de flores do campo.
Coisa séria para uma menininha de seis anos. Expectativa a mil por hora.
No altar, o noivo, de chapéu de palha e bigodinho pintado a lápis preto, disse NÃO para o "enlace".
O "padre" ,imediatamente, mandou prendê-lo na cadeia cenográfica da festa.
Passei o resto da tarde brincando de corrida do saco e comendo milho verde.
O moleque que não quis "casar" comigo é meu grande amigo hoje.
Rimos sempre desse episódio.

O tempo passou e veio a angústia do vestibular.
Da profissão que escolheria.
Olheiras profundas e constantes me acompanharam.
Momento dos mais ansiosos.

Me formei e vivi a expectativa de ser contratada na Rádio CBN.
O primeiro estágio, o primeiro emprego, a gente nunca esquece.
 É uma provação. Uma aula de como se relacionar em uma empresa. Tensão dia após dia.
A primeira vez que entrei no ar no rádio foi memorável. Outro dia cercado de ansiedade.
Falei no microfone, fingindo estar firme, sobre as condições do trânsito no programa CBN Total.
Adrenalina correu solta. Deu até uma tontura.

Cresci e sigo, claro, flertando com a ansiedade.
Não tenho medo dela. Dependo dela.

Apresento um telejornal diário, longo, líder de audiência no Rio.
Todos os dias "danço um ballet" diferente no estúdio.
Será que vou segurar a emoção ao dar essa notícia tão triste?
Será que o entrevistado vai parar de falar na hora certa? Terei que interrompê-lo?
No elevador de acesso,  peço sempre para que Deus bote as palavras certas na minha boca.
É um desafio que, ao passar dos blocos do jornal, corre nas veias. Invade as entranhas.
E me faz seguir em frente.

Agora mesmo estou ansiosa com meu casamento. Me refiro, dessa vez, a um casório de verdade.
A festa, no próximo fim de semana, será pequena, em casa.
Mas, não deixa de ser uma comemoração marcante. Com foto, família e bem-casado.
Estarei vestida de noiva, mas, ainda não fiz a prova final do vestido.
Não sei se vai chover, se vai esquentar muito.
Se a bebida será suficiente.
Se vai todo mundo.
Ah! Se o noivo vai dizer sim... Que é o mais importante...

Estou feliz com tantas sensações. Durmo bem. Por incrível que pareça.

Estou ansiosa, logo, vivo.
Vivo, logo, estou ansiosa.







sábado, 3 de agosto de 2013

Olhos Fechados

Ficar em silêncio. De olhos fechados. Deitada, mas, acordada.

Dia desses, por quarenta intermináveis minutos, me obriguei a fazê-lo.
Ressonância magnética no crânio é prova de fogo para os claustrofóbicos.
É preciso deitar sob um teto que, por pouco, não roça o nariz e com capacete imobilizador.
Ao me deparar com o equipamento estreito,  alertei o técnico de que seria um teste de resistência.
De sobrevivência.

_Puxa, Mariana! Cansei de te ver na TV em tiroteios e enchentes. Vai ter medo disso aqui?_disse ele.

Fechei os olhos antes mesmo de a maca me enfiar no túnel.
Estava determinada a não abrí-los até o fim.
O que os olhos não vêem, o coração não sente.

Tinha madrugado para trabalhar naquele dia. Estava cansada.
Percebi  de cara que seria impossível dormir ali dentro. A temperatura da sala de exame é abaixo de zero e o barulho da máquina, ensurdecedor.

Foi quando, naquele ambiente estranho, vesti novos personagens. Lembrei de outros.
Visitei recordações inexplicavelmente guardadas.
E criei momentos.

A imaginação é aliada poderosa em situacões difíceis.

Primeiro tentei imaginar como seria ser cega. Concentrei nos ruídos, nos aromas.
Experiência interessante que dá consciência de instintos pouco explorados.
Logo desviei o pensamento. Fiquei angustiada.
Não era mesmo hora de experimentar o exercício.

Em seguida, lembrei da brincadeira de estátua da infância. Por várias vezes, fui campeã no pátio da escola. Ficava paradinha. Nem piscava.
Só as cócegas feitas pelo coleguinha Afonso, um tanto malvado na época, me faziam mexer.
Recordação divertida, mas, que me deu coceira na sola do pé.
Ignorei a sensação bravamente. Nem teria como coçar, presa ali.

Vieram então pensamentos mórbidos.
Eu estaria morta, em meu velório, ouvindo tudo a minha volta..
Pessoas inesperadas foram se despedir de mim. Diziam palavras lindas em homenagem póstuma.
Gente que eu nunca imaginei, chorou a minha perda.

A criatividade decidiu, felizmente, me levar para momentos mais leves.
Saltava entre lembranças, sem nenhuma conexão, com velocidade.
Vieram à mente, as corridas nos campos verdes e cheirosos da Toscana.
O desafio infantil de tocar com a barriga o fundo da piscina profunda do clube.
O discurso otimista da taróloga que visitei na adolescência.
Que loucura! Por que lembrei daquela mulher?

Embalada pela percussão incessante do equipamento, me vi, de repente, aos pulos numa festa rave.
Requebrava como uma periguete com o batidão. Nem sei dançar esse ritmo.
Comecei a rir de mim mesma e o técnico interrompeu a viagem:

_Mariana, você está se mexendo. O exame está tremido. Terei que repetir_

A voz dele me trouxe de volta. Lembrei de onde estava.
Entrei em pânico. Pensei em apertar a campainha e pedir para sair. Suava frio naquele frigorífico.
Mas, sou moça adulta. Vivida e orgulhosa. Tinha que resistir.

Foquei então em minha respiração. Visualizei o ar percorrendo o corpo, invadindo os pulmões e sendo expulso num sopro vigoroso. 
Há quanto tempo não me ouvia respirar.
Falando em tempo:

_Quanto tempo falta?_perguntei aos gritos.
_Dez minutos_ disse o técnico.

O exame estava demorando mais que o programado.
Meu cérebro nunca tinha sido vistoriado antes.
Seria eu um extraterrestre? Descobriram que não sou daqui?

No tempo restante, refiz meu passeio imaginário, tratei as lembranças como sinais e pensei em atitudes. Mulheres são assim.

_Quando levantar daqui, vou procurar o Afonso que me fazia cócegas na infância e nunca mais vi.
Mergulharei até o fundo da piscina do clube.
Dançarei até a festa rave acabar. Abraçarei os amigos inesperados que prestigiaram meu velório.
Observarei mais. Apreciarei mais.

Fiquei em silêncio. De olhos fechados. Acordada. Em um túnel gelado.
E foi inesquecível.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Ah! O Carnaval...



_Hoje vocês podem ficar acordadas até mais tarde_ disse minha mãe.

Era Carnaval. O grupo especial desfilaria naquele domingo do verão de 1985.
No quarto, já refrigerado, a cama espaçosa de Dona Maluh com  lençol macio e mantas para esquentar os pés. No colchão ainda cabia, com folga, as três filhas falantes, o encarte do jornal com detalhes de cada escola, a caixa de bombom Garoto.
O Opereta era meu. O amargo, da Fernanda, o Alô Doçura, da Ana Luiza.
A certa hora da madrugada, eu lutava contra o peso das pestanas.
Queria ter história para contar no dia seguinte.
Me gabar de que tinha visto tudo até tarde.
Queria ver a Tia Tanit desfilando. Os carros do Joãozinho Trinta. A bateria da Portela.

O sambódromo sempre me atraiu.
Quando virei jornalista, brincava, vez por outra, que um dia apresentaria a festa na TV.
Como vêem, fui uma estagiária saliente.

Sonhar não custa nada, como cantou Paulinho Mocidade.
E palavra tem poder. Samba-enredo então, nem se fala.

Chegou a hora neste Carnaval de 2013. E chegou na hora certa.
A missão era narrar os desfiles do Grupo de Acesso. A Série A.
Um desafio, afinal, a Globo nunca tinha exibido os desfiles das agremiações de sábado.
Estreei logo com 21 escolas para apresentar. Algumas, desconhecidas do grande público.
A expectativa na emissora, e fora dela, era grande.

Alex Escobar foi o parceiro na empreitada.
A dupla estreante, a priore, podia parecer heterogênea.
Ele, torcedor do América, nascido em Bangu, exímio apresentador do Esporte.
Eu, rubro-negra, da Lagoa, especialista em noticiar tiros e bombas...

Ledo engano.
Nos encontramos na paixão pelo samba, pelo espetáculo, pelo público que nos festejava nas comunidades. Foi entrosamento a primeira vista.
 Nos unimos também na vontade incontrolável de que tudo desse certo. Para todos.
Antes do dia D, a caminho das incontáveis visitas às quadras, Escobar e eu éramos calouros de show,
cantando sem parar os sambas mais remotos. Como foi bom rir das piadas infames do colega.
Pobres motorista e produtor que nos suportaram meses no carro, desafinando pra cima e pra baixo.

O estúdio Globeleza fica bem na entrada da Sapucaí.
Na esquina onde os carros alegóricos apontam a passarela.
Quando entrei de vestidinho para apresentar, lembrei do quarto da mamãe, bem refrigerado.
No estúdio, era muito homem encalorado junto.
Fui voto vencido no controle dos aparelhos de ar.
Me enrolei numa echarpe de lã e mandei brasa.

Foram duas madrugadas de diversão ao lado de bambas: os comentaristas Arlindo Cruz, Milton Cunha, Chico Spinoza e Mestre Odilon deram brilho à cobertura.
A direção de Boninho deixou a dupla a vontade. Aí foi só gingar.
Nos intervalos, a gente até se esquecia do pipi.
Era só gargalhada e sambinha.
E quando batia o cansaço, depois da décima escola, hora do energético. Levei latinhas para nós.
Bastava buscar no gelo, no canto do estúdio.

Aprendizado mesmo foi observar a tranquilidade do Escobar.
Para ele tudo flui, tudo se resolve. Rápido.

Eu estava longe dos lençóis de casa, nem tinha chocolate por perto e o encarte com as informações das escolas estava entranhado na massa cinzenta.
Mas, a saliência da estagiária estava ali.

Para narrar Carnaval, madrugada a dentro,
é preciso sambar no salto feito mulata.
Equilibrar pandeiro feito ritmista.
Comandar a bateria feito o mestre.
 Sem atravessar. Sem atropelar.

_Mãe, naquelas noite passei da hora de dormir.
Não contei a história no dia seguinte.
Narrei ao vivo. Para milhões de pessoas.

Quanta honra.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

NOSTRA

A Itália é nossa.

Pela estrada, o perfume do vento.
Da dama da noite da Toscana.
Do azeite das olivas suadas ao sol.
Do aparo da grama que voa.
Das uvas raras que ainda vão brotar.
Do chuvisco que evapora na terra seca.

Não era o motor.
Era o faro quem nos empurrava.

A cada curva, uma cidadela debruçada.
Rochedos que erguem a história.
Guerras, conquistas e pestes.
Árvores esguias e cabeludas como testemunhas.
Praças e escadarias. Fontes e bicas.
Altares e mármore travertino.

Igrejas milenares e suas minucias vivas.
Portais brilhantes. E tiros nas fachadas.
Relicários de preces silenciosas.
O padre de costas e a missa em italiano.
Criptas e abóbodas.
E a fé que converte ateus.

Pecorinos e trufas.
Taças e massas.
Molhos e óleos.
O tomate em cacho.
Framboesa fresca na rua.
E a fila do sanduíche de tripa.

Jardins, estâncias e cores.
Rosas brancas avançam na pedra.
Papoulas trançam o campo selvagem.
E no horizonte, o sol que se punha cor de rosa.
Da adega, o néctar que manchava as bordas. As bocas. Os sorrisos.

Gargalhadas entre amigos.
Novos ou antigos. Sóbrios ou bêbados.
Em mesa italiana, amizade é para sempre.
E segredos também.
Mas, os pratos são de todos.
"Prove do meu. Você merece".

Dias lentos. Ou rápidos demais.
Tardes embriagadas de carinho.
O cadeado de amor eterno na Ponte Vecchio
Dança nas ruas de Roma. Moedas para o artista.
E o som do acordeão na viela de Siena.

A Itália é dos apaixonados.
Dos curiosos que espiam propriedades privadas.
Dos gulosos que experimentam sabores.
Dos sensíveis à arte que surge a cada degrau.
Dos que se emocionam repentinamente.
Dos otimistas.

A Itália é nostra, amore mio.