terça-feira, 5 de agosto de 2014

DOMINGO


Domingo é dia preguiçoso.
Com céu molhado lá fora, abandonar as cobertas é tarefa desafiadora.
Sem nada para fazer, sou atormentada pelos pensamentos.
Perguntas malucas que vão longe.
E perguntar à própria imaginação também é exercício.

Se estou eu, cá, um tanto entediada, embolada no edredom, onde estará agora Arlindo Cruz, por exemplo? Lembrei do amigo compositor ao ver um anúncio de um show dele no jornal agorinha.
Se fez show ontem, foi dormir ao raiar do dia. Deve estar no primeiro sono, sonhando com a próxima canção.
Ouvi dizer que sonho de compositor tem trilha sonora.

Espio o Instagram e vejo fotos de amigos prontos para a largada de uma maratona na praia.
Sempre tive inveja dos atletas madrugadores. Com sol ou com temporal, lá estão eles.
Aos domingos, prefiro sempre estar cá. Sair correndo durante 42 quilômetros, do nada, de ninguém, de manhã, não é para mim. A chuva me redime. Renego exercícios ao ar livre, sem culpa, em dias cinzentos.

Ainda na cama, alcanço o controle remoto.
Agora, acompanho uma série de clipes musicais na TV.
Lá vem mais um da Beyoncé.
Aliás, e a diva? Como será o desjejum dela em um domingão de folga?
Para manter o corpo invejável,  deve ser iogurte com chia.
Já o meu café da manhã de hoje é uma heresia: um suculento bem-casado que ganhei do enteado.
Na folga, faço essas estripulias.
Não tem coisa melhor que um docinho dormido açucarado.
É quando o pão de ló está no ponto. Bêbado de doce de leite.

Na revista da TV, leio a notícia de mais um projeto do incansável Miguel Falabela.
Será que ao menos em um domingo do mês ele descansa a cabeça?
Duvido. Mas, espero que sim. Ia me confortar saber.
Apreciaria ainda mais a letargia de hoje.
Se ele para, por que também não posso?

Mudo o canal e as perguntas viajam para outro continente.
As questões se aprofundam.
Penso no domingo triste da mãe palestina que perdeu seu filho no bombardeio de ontem.
Na dúvida da família israelense que agora está indo dormir, sem saber se o cessar-fogo será respeitado.
Atrás do muro que os divide, olham para o céu à espreita. Não da chuva do Rio, e sim, do míssil que pode atravessar o céu de Gaza a qualquer momento. Mais uma vez.

Penso no colega Guga Chacra, jornalista da Globo News em Nova Iorque, ao rever um comentário dele no canal a cabo. Diante de mais essa Guerra, o colega deve estar, neste momento, estudando no fim da manhã de verão na Big Apple.
Já deve ter lido todos os jornais do Mundo. Escrito mais um livro.
Enfim, deve estar produzindo.

Observo meu marido aqui ao lado, em sono profundo. Sono dos justos.
Madrugou aguardando o filho adolescente chegar da festa.
A respiração profunda e o semblante tranquilo me acalmam.
Agradeço tudo.
Obrigada Deus por meu domingo de paz.
Agradeço também à obstinação do Guga que me deixa alerta para o Mundo.
À mais uma boa música que virá do sonho do Arlindo.
À inspiração criativa que vem do Miguel.
Prometo até, um dia, experimentar iogurte com chia.

Obrigada chuva.
Apareça sempre.
Estou pronta para recomeçar.

terça-feira, 22 de julho de 2014

VALE DOS PERDIDOS


Não tenho maturidade para ter guarda-chuva.
Tantos já se perderam.
De bolinhas, do camelô e até um importado que, em um desatino, comprei em um Museu de Nova Iorque. A estampa reproduzia um arco-íris por fora e nuvens no interior. Uma beleza.
Esse nem conheceu o Brasil. Algum gringo deve estar circulando por lá, cheio de estilo.

Óculos escuros também são itens descartáveis na rotina dos desatentos.
Uma vez, aos 14 anos, viajando com a família, economizei muito para comprar o par dos sonhos.
Era da marca da moda na época: o tão desejado Vuarnet espelhado.
Experimentei uns 20 modelos na loja. Toda prosa. Paguei uma nota, entrei no táxi e "deixei" de presente para o motorista muçulmano. Evaporou em tempo recorde.

Vão-se os anéis, ficam os dedos.
E fica também a dona da jóia,
desesperada, quando elas decidem sair por aí.
Sim, acredito que jóias têm vida própria.
Meu marido vai ficar sabendo, neste momento, que, outro dia,  minha aliança decidiu dar uma volta, sem mim, por algumas horas.
Nunca tiro do dedo. Na única vez, a malandrinha escapou.
Foi durante a ginástica. Fui usar um aparelho na academia e tirei a aliança para não machucar a mão.
Coloquei, irresponsavelmente, no cós da malha.

Já estava no carro, voltando, quando percebi a ausência da dita cuja.
Tarde demais. Ela já estava passeando sozinha.
Desci e refiz todo o trajeto.
Na caminhada, ofereci logo mil pulinhos a São Longuinho.
Sou reincidente. Três pulinhos é pouco. É injusto. No caso de aliança perdida então, nem se fala.
Tenho um acerto com o santo que, aliás, é poderoso e fiel. Nunca me abandonou. 

Quem achou o anel foi minha professora.
Brilhava embaixo da escada.
Pronto. Era uma moça casada de novo!
Os pulinhos? Pago sempre na hora. Onde estiver, como
uma louca saltitante nas ruas. Todo mundo olha.
Fazer o quê? Promessa é dívida.

No ano passado, relutei em aceitar a oferta da minha avó.
Dona Céu me emprestou uma jóia de família para usar no casamento.
Brincos antigos lindos. Daqueles que já não existem mais.
Dias antes, fiz um teste em casa. Dancei com eles nas orelhas.
Sacolejei a valer para avaliar a firmeza da peça e a fixação nos lóbulos.
E não é que, em pleno casório, um dos brincos decidiu dançar sozinho?
Quase acabou com minha alegria.

Após horas intermináveis, o Fred Astaire de brilhantes foi achado embaixo do sofá.
Em seguida, lá estava eu, a noiva, aos pulinhos no banheiro.
Perdi uma meia hora ali. Feliz da vida.
O noivo chegou a pensar que havia sido abandonado.

Deve haver um vale nas profundezas onde tudo que perdemos se encontra.
Tenho contribuído para entulhar o tal espaço.
Centenas de elásticos de cabelo, grampos, canetas, casaquinhos, dinheiro, chaves, cartões de débito, de crédito, escovas... Se escafederam. Não estão em lugar nenhum, garanto. Só podem estar lá.


Telefones celulares estão aí para provar que estou melhorando.
Amadurecendo, eu diria.
Só me perdi de dois aparelhos até hoje.
Um deles, na praia de Ipanema. Se escondeu na areia, o danado.
Se não estivesse no modo vibratório, teria achado.
Fiquei ligando sem parar.
Situação humilhante essa de ligar para você mesma, torcendo para a sola do seu pé sentir o tremelique do telefone.
Convenhamos que num sábado de verão, seria um reencontro improvável.
Fui embora me consolando:
 _ O telefone foi doado para Iemanjá. Ela merece_.

Com tantas perdas no curriculum, adotei uma técnica quase infalível.
Transformei-me em uma espécie de cabide de perdidos.
Perdidos não. Achados.
Os óculos, quando não estão sobre os olhos, ficam pendurados na camisa ou no porta-óculos.
Em nenhum outro lugar. Jamais.
O celular, sempre na mão. Sem largar. Nem para me maquiar.
Os elásticos de cabelo, enfileirados nos punhos.
Os anéis, nos dedos.

E o  guarda-chuva?
Ah, é um trambolho, vai?
Deixa para lá...
Faz bem tomar um banho de chuva de vez em quando.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Eu tinha uns seis anos.
Paramos em um sinal de trânsito em Botafogo quando meu pai avistou um cantor famoso no carro ao lado:
_Meninas, discretamente, olhem à esquerda. É o Léo Jaime ._ balbuciou.

Eu, sentadinha no banco de trás do Monza, abri o vidro e gritei:
_Oi Léo Jaime! Sou sua fã!_

Antes de o sinal abrir, ainda tive tempo e coragem de cantar o hit da época: "As sete vampiras". Animadamente.
O cantor riu. Meu pai não.
Levei bronca.

Não havia celular na época. Muito menos foto digital. Caso contrário, teria tentado registrar.
Afinal, tratava-se de um encontro com o cantor preferido.

Dizem que é de bom tom manter a linha e, praticamente, ignorar os famosos na rua.
Idolatria é considerada cafonice por muitos. Eu mesma canso de entrevistar ídolos disfarçando a admiração. A profissão exige  auto- controle. Confesso que, em alguns casos, no fim da gravação, peço foto. Não sou de ferro.

Sempre fui seletiva. Só revelo preferência à celebridade que realmente curto.
Certa vez, numa festinha infantil, tive a chance de estar perto de uma apresentadora de muito sucesso na minha infância. Lembro que não fiz questão de conhecê-la.

Preferia roqueiros e galãs. 
Ainda adolescente, num restaurante em São Conrado, reconheci o guitarrista Mark Knopfler, do Dire Straits. No caso de famosos internacionais fica irresistível.
Quando é que eu iria ter aquela oportunidade outra vez?
O músico não foi dos mais simpáticos. Não trocou nem palavra com a mocinha de franja.
Autografou o guardanapo molhado e pediu a conta. Voltei para mesa um tanto decepcionada.
Queria ter, ao menos, praticado meu inglês. Mas, não teve nem um mísero hi.

Já o ator Sean Connery foi surpreendente.
O vi numa loja de departamentos, em Nova Iorque, enquanto escolhia uma gravata para meu pai.
O eterno James Bond comprava umas em modelo borboleta.
Sir Connery gostou logo da que escolhi. Perguntou ao vendedor se havia outra igual no estoque.
Elogiou meu bom gosto e até perguntou para quem era o presente.
Tomamos um chá, enquanto o atendente revirava as prateleiras.
Meu pai ainda tem a gravata 007. Espero que ele também.

Em Paris, com minha irmã, esbarrei com o ator Clive Owen. Ao me aproximar, pela primeira vez, fiquei muda de tão nervosa. Minha irmã teve que falar por mim e ainda tirou a foto acima enquanto tomávamos sorvete à beira do Sena.

A sorte anda comigo.
No fim da tarde de uma terça-feira, no Baixo Gávea, almoçava tardiamente nos fundos do restaurante vazio, quando um senhor cabeludo chegou. Sentou de costas para mim.
Ele tentava pedir uma caipirinha de cachaça e maracujá com açúcar, sem sucesso.
Fiz a tradução para o garçom, que me agradeceu muito. O tal gringo também:

_Perfect!_ brindou ele.

Era Robert Plant.
Mais uma foto para meu álbum antológico.

Certa vez, sobrou até para minha querida colega Ana Luiza Guimarães.
Eu, prestes a começar a faculdade de jornalismo, reconheci num bar a, então, super correspondente da Globo em Londres. Lógico que fui importunar. Fiz várias perguntas e, sem nunca ter me visto, ela profetizou que eu, um dia, trabalharia na TV.

Hoje, de certa forma, em alcance infinitamente inferior, vivo situações parecidas.
Nada mais normal já que invado a casa das pessoas, quase que, diariamente.
E tem gente por aí que aprecia o trabalho da moça aqui. Graças ao bom Deus.

Comigo as abordagens são, eventualmente, invasivas. E eu me divirto.
As pessoas se sentem íntimas. De verdade.
Há tempos, ainda solteira, fui parada por uns surfistas sarados durante reportagem no Arpoador. Fiquei toda prosa, mas, só por alguns minutos:

_ Oi! É você mesma? Achei que era mais "fortinha" pessoalmente. Na TV, você parece mais gostosa._ disse o gaiato.

O cinegrafista Sérgio Leite, que estava comigo na praia, até hoje, me chama de "Magrela Gross", graças ao comentário daquele surfista.
Para felicidade geral, o apelido pegou.

Outro dia, aguardava uma mesa numa lanchonete com meu marido, quando um senhor atleta se aproximou. Se declarou meu fã e pediu permissão ao Guilherme para me dar um abraço.
Foi tão afetuoso que me levantou do chão. Rimos muito.

Uma senhorinha, meses atrás, me apertou a cintura no meio da rua.
_É para ver se você é magra mesmo ou se usa cinta para esconder as gordurinhas_ disse.

Comovente mesmo é o reconhecimento das crianças, sempre tão verdadeiras.
Esse ano, soube de um caso inesquecível.
Recebi carta de agradecimento de uma mãe de Del Castilho.
Ela relatou que seu bebê, de nove meses, só para de chorar quando ouve minha voz na TV.
Segundo ela,  sou "mais eficiente que a "Galinha Pintadinha"" .

_Conte comigo, Marcia. Eu é que, desde já, sou fã do pequeno Marcelinho.
Saúde.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

FAZER FELIZ

Casar é ter a oportunidade de conhecer a essência de alguém. 
É a chance de fazer alguém feliz.
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Ele é insone. Raramente dorme a contento.
Quando a respiração ao lado se aprofunda, me alegro.
Sinal de que, finalmente, se entregou a Morfeu.
E observo, em silêncio, o encontro.

Tem gula no fim da tarde. Vasculha a geladeira, que abasteci, ao chegar.
A mussarela de búfala fresca, o Zaatar, o azeite.
É gratificante vê-lo saborear os lanches.
Admiro quem valoriza a hora de comer.

Relaxa em banhos, com muito sabonete.
Duchas quentes e, no fim, bem frias.
Quando a porta se abre, o vapor perfumado invade o quarto.
Nunca lembra de pendurar a imensa toalha.
Faz parte.

Fala baixo. Fala pouco.
Falo por ele.

Se arrisca na cozinha.
Inventa, mistura, assa e acerta.
É ousado. Oferece aos amigos. Enche a casa.
Suja muita louça. Paninhos engordurados se acumulam sobre a pia.
Me delicio com o cardápio do dia. Depois, arrumo a bagunça.
É justo com o chef.

Organiza roteiros a perfeição.
Antes de partir, já sei até por quais ruas passarei.
E no caminho, surgem os desvios.
Ele muda a rota. Tem outras ideias.
Como a vida deve ser. Sem muitos planos.

Aprecia cada minuto do filho. De perto.
Os anseios adolescentes. As transformações físicas.
O amadurecimento. O primeiro amor.
E se espanta com a rapidez do tempo.

Por vezes fica ainda mais calado.
Reflexivo. Antecipa o que, muitas vezes, nem chega.
O olhar castanho, redondo, se esconde entre longas pestanas.
Mergulha em livros. Mudo.
Momentos que já aprendi a respeitar.
Não foi fácil, confesso.

São apenas cinco meses de casamento.
E sigo desvendando esse cara.
A rotina não me assusta. Revela quem ele é.
Descobertas que só me fazem bem.
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Casar é ter a oportunidade de conhecer a essência de alguém.
De fazer alguém feliz.
Diariamente.

sábado, 2 de novembro de 2013

ANSIEDADE

Vivo, logo, estou ansiosa.
Estou ansiosa, logo, vivo.

Ansiedade é sentimento que move.
E fica entranhado na memória.
Muitos não aguentam.
Para mim, sempre foi combustível.

Plantei uma muda, quando criança, em Búzios.
Passei meses esperando o próximo verão para vê-la florir no canteiro. Em casa, imaginava que altura ela estaria.
Se abelhas já estavam se alimentando do pólen.
Se a planta já tinha envergadura para fazer sombra no gramado.
No Janeiro seguinte, ela ainda nao tinha flores. Esperei mais um pouco.

Aos 11, chamei os amigos para minha primeira festa "discoteca" no apartamento da mamãe. 
Comprei roupa nova e botas de borracha branca, um must para a época.
Mal dormia pensando no momento em que, como aniversariante, teria o direito de abrir a sessão de Karaoquê cantando Kid Abelha para os convidados.
Muitas vezes, o antes é melhor que a festa em si.

Funciono bem sob pressão. Sempre deixei para estudar na madrugada anterior à prova.
Botava o despertador para as duas da madrugada e ia, de pijama, para a sala silenciosa  começar os exercícios.
Sempre deu certo, mas, sentia uma angustia danada.
E era delicioso.

E no Natal?
Será que vou ganhar a banheira glamour da Barbie que tanto sonho?
A família colaborava para a expectativa infantil aumentar.
Lá em casa, presentes só eram abertos à meia noite, em meio a bocejos dos pequenos.
Chegada a hora, rasgava os embrulhos sem dó. Ignorava cartões ou pirulitos de brinde.
Era mesmo o que eu queria! Os olhos brilharam e lá fui eu dar banho na boneca. Na hora.
Lembro que encharquei de espuma o tapete persa da vovó.
Mas, é que a Barbie estava louca para se banhar. Fazia muito calor.
E eu, louca para estrear o mimo.

Nem sempre minhas angústias foram sanadas do jeito que imaginei.

Na adolescência, mandei carta de amor para o menino mais bonito da escola.
A magrela aqui se arriscou.
O papel de carta era caprichado. Com aroma e tudo.
No dia seguinte, após uma noite sem dormir, o garoto me esnobou .
Ainda fez graça com os corações que desenhei no envelope.
Ao menos, meu coração bateu forte na noite anterior.
É o que vale.

Na festa junina do Clube fui escolhida como a noiva do evento.
Minha mãe mandou fazer um vestido caipira de renda branca.
Usei maquiagem nos olhos, véu e até buquê de flores do campo.
Coisa séria para uma menininha de seis anos. Expectativa a mil por hora.
No altar, o noivo, de chapéu de palha e bigodinho pintado a lápis preto, disse NÃO para o "enlace".
O "padre" ,imediatamente, mandou prendê-lo na cadeia cenográfica da festa.
Passei o resto da tarde brincando de corrida do saco e comendo milho verde.
O moleque que não quis "casar" comigo é meu grande amigo hoje.
Rimos sempre desse episódio.

O tempo passou e veio a angústia do vestibular.
Da profissão que escolheria.
Olheiras profundas e constantes me acompanharam.
Momento dos mais ansiosos.

Me formei e vivi a expectativa de ser contratada na Rádio CBN.
O primeiro estágio, o primeiro emprego, a gente nunca esquece.
 É uma provação. Uma aula de como se relacionar em uma empresa. Tensão dia após dia.
A primeira vez que entrei no ar no rádio foi memorável. Outro dia cercado de ansiedade.
Falei no microfone, fingindo estar firme, sobre as condições do trânsito no programa CBN Total.
Adrenalina correu solta. Deu até uma tontura.

Cresci e sigo, claro, flertando com a ansiedade.
Não tenho medo dela. Dependo dela.

Apresento um telejornal diário, longo, líder de audiência no Rio.
Todos os dias "danço um ballet" diferente no estúdio.
Será que vou segurar a emoção ao dar essa notícia tão triste?
Será que o entrevistado vai parar de falar na hora certa? Terei que interrompê-lo?
No elevador de acesso,  peço sempre para que Deus bote as palavras certas na minha boca.
É um desafio que, ao passar dos blocos do jornal, corre nas veias. Invade as entranhas.
E me faz seguir em frente.

Agora mesmo estou ansiosa com meu casamento. Me refiro, dessa vez, a um casório de verdade.
A festa, no próximo fim de semana, será pequena, em casa.
Mas, não deixa de ser uma comemoração marcante. Com foto, família e bem-casado.
Estarei vestida de noiva, mas, ainda não fiz a prova final do vestido.
Não sei se vai chover, se vai esquentar muito.
Se a bebida será suficiente.
Se vai todo mundo.
Ah! Se o noivo vai dizer sim... Que é o mais importante...

Estou feliz com tantas sensações. Durmo bem. Por incrível que pareça.

Estou ansiosa, logo, vivo.
Vivo, logo, estou ansiosa.







sábado, 3 de agosto de 2013

Olhos Fechados

Ficar em silêncio. De olhos fechados. Deitada, mas, acordada.

Dia desses, por quarenta intermináveis minutos, me obriguei a fazê-lo.
Ressonância magnética no crânio é prova de fogo para os claustrofóbicos.
É preciso deitar sob um teto que, por pouco, não roça o nariz e com capacete imobilizador.
Ao me deparar com o equipamento estreito,  alertei o técnico de que seria um teste de resistência.
De sobrevivência.

_Puxa, Mariana! Cansei de te ver na TV em tiroteios e enchentes. Vai ter medo disso aqui?_disse ele.

Fechei os olhos antes mesmo de a maca me enfiar no túnel.
Estava determinada a não abrí-los até o fim.
O que os olhos não vêem, o coração não sente.

Tinha madrugado para trabalhar naquele dia. Estava cansada.
Percebi  de cara que seria impossível dormir ali dentro. A temperatura da sala de exame é abaixo de zero e o barulho da máquina, ensurdecedor.

Foi quando, naquele ambiente estranho, vesti novos personagens. Lembrei de outros.
Visitei recordações inexplicavelmente guardadas.
E criei momentos.

A imaginação é aliada poderosa em situacões difíceis.

Primeiro tentei imaginar como seria ser cega. Concentrei nos ruídos, nos aromas.
Experiência interessante que dá consciência de instintos pouco explorados.
Logo desviei o pensamento. Fiquei angustiada.
Não era mesmo hora de experimentar o exercício.

Em seguida, lembrei da brincadeira de estátua da infância. Por várias vezes, fui campeã no pátio da escola. Ficava paradinha. Nem piscava.
Só as cócegas feitas pelo coleguinha Afonso, um tanto malvado na época, me faziam mexer.
Recordação divertida, mas, que me deu coceira na sola do pé.
Ignorei a sensação bravamente. Nem teria como coçar, presa ali.

Vieram então pensamentos mórbidos.
Eu estaria morta, em meu velório, ouvindo tudo a minha volta..
Pessoas inesperadas foram se despedir de mim. Diziam palavras lindas em homenagem póstuma.
Gente que eu nunca imaginei, chorou a minha perda.

A criatividade decidiu, felizmente, me levar para momentos mais leves.
Saltava entre lembranças, sem nenhuma conexão, com velocidade.
Vieram à mente, as corridas nos campos verdes e cheirosos da Toscana.
O desafio infantil de tocar com a barriga o fundo da piscina profunda do clube.
O discurso otimista da taróloga que visitei na adolescência.
Que loucura! Por que lembrei daquela mulher?

Embalada pela percussão incessante do equipamento, me vi, de repente, aos pulos numa festa rave.
Requebrava como uma periguete com o batidão. Nem sei dançar esse ritmo.
Comecei a rir de mim mesma e o técnico interrompeu a viagem:

_Mariana, você está se mexendo. O exame está tremido. Terei que repetir_

A voz dele me trouxe de volta. Lembrei de onde estava.
Entrei em pânico. Pensei em apertar a campainha e pedir para sair. Suava frio naquele frigorífico.
Mas, sou moça adulta. Vivida e orgulhosa. Tinha que resistir.

Foquei então em minha respiração. Visualizei o ar percorrendo o corpo, invadindo os pulmões e sendo expulso num sopro vigoroso. 
Há quanto tempo não me ouvia respirar.
Falando em tempo:

_Quanto tempo falta?_perguntei aos gritos.
_Dez minutos_ disse o técnico.

O exame estava demorando mais que o programado.
Meu cérebro nunca tinha sido vistoriado antes.
Seria eu um extraterrestre? Descobriram que não sou daqui?

No tempo restante, refiz meu passeio imaginário, tratei as lembranças como sinais e pensei em atitudes. Mulheres são assim.

_Quando levantar daqui, vou procurar o Afonso que me fazia cócegas na infância e nunca mais vi.
Mergulharei até o fundo da piscina do clube.
Dançarei até a festa rave acabar. Abraçarei os amigos inesperados que prestigiaram meu velório.
Observarei mais. Apreciarei mais.

Fiquei em silêncio. De olhos fechados. Acordada. Em um túnel gelado.
E foi inesquecível.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Ah! O Carnaval...



_Hoje vocês podem ficar acordadas até mais tarde_ disse minha mãe.

Era Carnaval. O grupo especial desfilaria naquele domingo do verão de 1985.
No quarto, já refrigerado, a cama espaçosa de Dona Maluh com  lençol macio e mantas para esquentar os pés. No colchão ainda cabia, com folga, as três filhas falantes, o encarte do jornal com detalhes de cada escola, a caixa de bombom Garoto.
O Opereta era meu. O amargo, da Fernanda, o Alô Doçura, da Ana Luiza.
A certa hora da madrugada, eu lutava contra o peso das pestanas.
Queria ter história para contar no dia seguinte.
Me gabar de que tinha visto tudo até tarde.
Queria ver a Tia Tanit desfilando. Os carros do Joãozinho Trinta. A bateria da Portela.

O sambódromo sempre me atraiu.
Quando virei jornalista, brincava, vez por outra, que um dia apresentaria a festa na TV.
Como vêem, fui uma estagiária saliente.

Sonhar não custa nada, como cantou Paulinho Mocidade.
E palavra tem poder. Samba-enredo então, nem se fala.

Chegou a hora neste Carnaval de 2013. E chegou na hora certa.
A missão era narrar os desfiles do Grupo de Acesso. A Série A.
Um desafio, afinal, a Globo nunca tinha exibido os desfiles das agremiações de sábado.
Estreei logo com 21 escolas para apresentar. Algumas, desconhecidas do grande público.
A expectativa na emissora, e fora dela, era grande.

Alex Escobar foi o parceiro na empreitada.
A dupla estreante, a priore, podia parecer heterogênea.
Ele, torcedor do América, nascido em Bangu, exímio apresentador do Esporte.
Eu, rubro-negra, da Lagoa, especialista em noticiar tiros e bombas...

Ledo engano.
Nos encontramos na paixão pelo samba, pelo espetáculo, pelo público que nos festejava nas comunidades. Foi entrosamento a primeira vista.
 Nos unimos também na vontade incontrolável de que tudo desse certo. Para todos.
Antes do dia D, a caminho das incontáveis visitas às quadras, Escobar e eu éramos calouros de show,
cantando sem parar os sambas mais remotos. Como foi bom rir das piadas infames do colega.
Pobres motorista e produtor que nos suportaram meses no carro, desafinando pra cima e pra baixo.

O estúdio Globeleza fica bem na entrada da Sapucaí.
Na esquina onde os carros alegóricos apontam a passarela.
Quando entrei de vestidinho para apresentar, lembrei do quarto da mamãe, bem refrigerado.
No estúdio, era muito homem encalorado junto.
Fui voto vencido no controle dos aparelhos de ar.
Me enrolei numa echarpe de lã e mandei brasa.

Foram duas madrugadas de diversão ao lado de bambas: os comentaristas Arlindo Cruz, Milton Cunha, Chico Spinoza e Mestre Odilon deram brilho à cobertura.
A direção de Boninho deixou a dupla a vontade. Aí foi só gingar.
Nos intervalos, a gente até se esquecia do pipi.
Era só gargalhada e sambinha.
E quando batia o cansaço, depois da décima escola, hora do energético. Levei latinhas para nós.
Bastava buscar no gelo, no canto do estúdio.

Aprendizado mesmo foi observar a tranquilidade do Escobar.
Para ele tudo flui, tudo se resolve. Rápido.

Eu estava longe dos lençóis de casa, nem tinha chocolate por perto e o encarte com as informações das escolas estava entranhado na massa cinzenta.
Mas, a saliência da estagiária estava ali.

Para narrar Carnaval, madrugada a dentro,
é preciso sambar no salto feito mulata.
Equilibrar pandeiro feito ritmista.
Comandar a bateria feito o mestre.
 Sem atravessar. Sem atropelar.

_Mãe, naquelas noite passei da hora de dormir.
Não contei a história no dia seguinte.
Narrei ao vivo. Para milhões de pessoas.

Quanta honra.