sábado, 3 de agosto de 2013

Olhos Fechados

Ficar em silêncio. De olhos fechados. Deitada, mas, acordada.

Dia desses, por quarenta intermináveis minutos, me obriguei a fazê-lo.
Ressonância magnética no crânio é prova de fogo para os claustrofóbicos.
É preciso deitar sob um teto que, por pouco, não roça o nariz e com capacete imobilizador.
Ao me deparar com o equipamento estreito,  alertei o técnico de que seria um teste de resistência.
De sobrevivência.

_Puxa, Mariana! Cansei de te ver na TV em tiroteios e enchentes. Vai ter medo disso aqui?_disse ele.

Fechei os olhos antes mesmo de a maca me enfiar no túnel.
Estava determinada a não abrí-los até o fim.
O que os olhos não vêem, o coração não sente.

Tinha madrugado para trabalhar naquele dia. Estava cansada.
Percebi  de cara que seria impossível dormir ali dentro. A temperatura da sala de exame é abaixo de zero e o barulho da máquina, ensurdecedor.

Foi quando, naquele ambiente estranho, vesti novos personagens. Lembrei de outros.
Visitei recordações inexplicavelmente guardadas.
E criei momentos.

A imaginação é aliada poderosa em situacões difíceis.

Primeiro tentei imaginar como seria ser cega. Concentrei nos ruídos, nos aromas.
Experiência interessante que dá consciência de instintos pouco explorados.
Logo desviei o pensamento. Fiquei angustiada.
Não era mesmo hora de experimentar o exercício.

Em seguida, lembrei da brincadeira de estátua da infância. Por várias vezes, fui campeã no pátio da escola. Ficava paradinha. Nem piscava.
Só as cócegas feitas pelo coleguinha Afonso, um tanto malvado na época, me faziam mexer.
Recordação divertida, mas, que me deu coceira na sola do pé.
Ignorei a sensação bravamente. Nem teria como coçar, presa ali.

Vieram então pensamentos mórbidos.
Eu estaria morta, em meu velório, ouvindo tudo a minha volta..
Pessoas inesperadas foram se despedir de mim. Diziam palavras lindas em homenagem póstuma.
Gente que eu nunca imaginei, chorou a minha perda.

A criatividade decidiu, felizmente, me levar para momentos mais leves.
Saltava entre lembranças, sem nenhuma conexão, com velocidade.
Vieram à mente, as corridas nos campos verdes e cheirosos da Toscana.
O desafio infantil de tocar com a barriga o fundo da piscina profunda do clube.
O discurso otimista da taróloga que visitei na adolescência.
Que loucura! Por que lembrei daquela mulher?

Embalada pela percussão incessante do equipamento, me vi, de repente, aos pulos numa festa rave.
Requebrava como uma periguete com o batidão. Nem sei dançar esse ritmo.
Comecei a rir de mim mesma e o técnico interrompeu a viagem:

_Mariana, você está se mexendo. O exame está tremido. Terei que repetir_

A voz dele me trouxe de volta. Lembrei de onde estava.
Entrei em pânico. Pensei em apertar a campainha e pedir para sair. Suava frio naquele frigorífico.
Mas, sou moça adulta. Vivida e orgulhosa. Tinha que resistir.

Foquei então em minha respiração. Visualizei o ar percorrendo o corpo, invadindo os pulmões e sendo expulso num sopro vigoroso. 
Há quanto tempo não me ouvia respirar.
Falando em tempo:

_Quanto tempo falta?_perguntei aos gritos.
_Dez minutos_ disse o técnico.

O exame estava demorando mais que o programado.
Meu cérebro nunca tinha sido vistoriado antes.
Seria eu um extraterrestre? Descobriram que não sou daqui?

No tempo restante, refiz meu passeio imaginário, tratei as lembranças como sinais e pensei em atitudes. Mulheres são assim.

_Quando levantar daqui, vou procurar o Afonso que me fazia cócegas na infância e nunca mais vi.
Mergulharei até o fundo da piscina do clube.
Dançarei até a festa rave acabar. Abraçarei os amigos inesperados que prestigiaram meu velório.
Observarei mais. Apreciarei mais.

Fiquei em silêncio. De olhos fechados. Acordada. Em um túnel gelado.
E foi inesquecível.