domingo, 24 de outubro de 2010

Democracia

Sou Mariana, torço pelo Flamengo, tenho medo de avião e, apesar da alegria natural, por vezes, sinto-me só.

E sim, uma pedra atingiu-me recentemente.

Naquela manhã, a jornada começou em um Centro de Convenções acompanhando o governador Sergio Cabral na abertura de uma feira de agências de viagem. O rádio toca:

 _Vá para Campo Grande. Sua equipe é a que está mais perto. O candidato Serra fará caminhada no calçadão no bairro. Ele segue de helicóptero. Se vocês não saírem agora, não chegam a tempo_ disse a subchefe de reportagem.

Seguimos por Santa Cruz. O carro ficou em um estacionamento próximo. Descemos antes, com medo de perder imagens. Fomos a pé atravessando às pressas o comércio da região no rastro das bandeiras do partido. O tucano chega embalado por intermináveis apertos de mão.

Um pequeno grupo inicia um protesto. Olhei de soslaio, sem muita preocupação.
De repente, mais militantes do partido adversário se aproximam.
O cerco então ganha a atenção dos jornalistas.
O calçadão perde espaço. Fica estreito. Lojas fecham as portas.
A guerra barulhenta de jingles não é mais só de sons. Invade o corpo a corpo.
Avancei esgueirando-me entre a multidão enfurecida.
Num relance, vejo Serra envolto em cordão de braços, sem chão para pisar.
Depois, com as duas mãos na cabeça. Algo acerta-me o crânio.
Sangro e saio de cena.

Não sou eleitora de Serra, não sou eleitora de Dilma. Não sou fita-crepe, não sou de pedra.
E sim, algo fez-me doer. Carrego agora um peso morto. Sólido. Bolinhas de papel? Bexiga d´água? Não importa. O que abriu-me o couro, caiu como maçã de Newton.
Despertou reflexão muito mais ampla.
Tem alcance maior que objetos não identificados.
No pós-pedrada, sou incondicional.
Defendo com fervor incomum a liberdade política,o ir e vir, a exposição de ideias, a imprensa livre.
Sem bloqueios ou cerceamentos.
O pensamento parece medíocre e utópico diante das conjecturas do pesquisador inglês sobre a gravitação universal. Para mim, merece a mesma atenção.
Por enquanto, anseios que permeiam meus sonhos.
Na vida real, não sei em quem votar.

Sou Mariana, torço pelo flamengo, tenho medo de avião e, apesar da alegria natural, por vezes, sinto-me só. E sim, aguardo a DEMOCRACIA atingir-me a cuca. Abrir uma nesga profunda.
Será esta a ferida que não pretendo sarar.