quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Gratidão

O anel é da minha mãe.
Mulher com gosto invejável para jóias.
O fascínio foi herdado de minha avó. Embaixatriz que percorreu boa parte do mundo e, mesmo sem muita verba, juntou uma pequena coleção. Peças simples que guardam memórias dos países nos quais viveu ao lado de meu avô.
De tanto que surrupiei o anel da mamãe, ela se viu obrigada a ceder.
O adorno caiu como luva em meu dedo indicador.
Uso desde os dezoito anos. Uma estranha identificação sanguínea.
É feito de prata com fina camada de ouro branco.
Uma vez, amassou na lateral depois de um esbarrão na mesa.
Ficou ainda mais charmoso.

Nos arquivos de minhas primeiras matérias, o rosto é de jovem estagiária assustada e o anel já aparece lá, reluzente, na mão esquerda.

Em uma reportagem sobre gripe, nossa equipe pretendia ensinar como lavar as mãos corretamente para evitar o contágio.
Um ônibus-escola da Secretaria de Saúde do Estado recebia os moradores em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Na lateral, pias móveis com água corrente eram a sala de aula.
Na hora do telejornal, coloquei um microfone na lapela da camisa para ficar com as mãos livres.

Ao lado do agente de saúde, lavei as mãos ao vivo.
Ele me sugeriu que tirasse o anel para higienizar bem o cantinho entre os dedos.

Fui embora. O anel ficou, esquecido na lateral da pia.
Só lembrei quilômetros depois, já em casa.

Liguei desesperada para assessores da Secretaria.
Nem sinal.

Uma semana depois, sem esperanças, recebo um telefonema pelo celular.
Um senhor de voz calma e gentil:

 _ Mariana Gross? Aqui é José. Foi você que perdeu um anel?

José era o motorista do ônibus da Secretaria. Achou o anel no chão embaixo da roda dianteira do veículo:

_Vi porque o sol fez o anel brilhar. Comentei hoje com a moça da Secretaria e ela disse que podia ser o seu._

 Do outro lado da linha, o coração bateu forte. Pela descrição, era mesmo meu amuleto da sorte.

Um motoboy amigo foi no mesmo dia, a meu pedido, até a casa de José, em Duque de Caxias.

O motorista não me pediu recompensa. Mesmo assim, mandei um envelope com quinhentos reais e um cartão de agradecimento.
Na volta do motoboy, lá estava meu anel, cuidadosamente enrolado em papel de seda dentro de um saquinho plástico.
Voltou para meu dedo de imediato.

O envelope também voltou, com um bilhete:

"Mariana, minha família agradece o dinheiro, e, mesmo precisando, estamos devolvendo. Você não deve se lembrar, mas, esteve aqui na minha rua há cinco anos. Mostrou na TV o esgoto vazando, os buracos e a falta d`água. Ainda tomou um suco na casa da minha mãe. Depois da reportagem, fizeram a obra. Consertaram tudo. Nossa vida mudou. Feliz do destino que me deu a chance de retribuir sua ajuda."

Mundo pequeno esse.
E o anel, amassadinho, ganhou valor inestimável.
O valor da gratidão.