quinta-feira, 31 de março de 2011

ABRIL

 Olivia e eu aos 6 anos
Na véspera de completar 6 anos, fui derrotada pela ansiedade.
Fiz xixi na cama sonhando. Estávamos em Angra dos Reis naquela Páscoa.
Acordei a mamãe envergonhada. Ela tratou de recolher o lençol, ainda de madrugada.
Saímos num passeio de barco. Na volta, lá estava o colchão manchado de urina tomando sol na entrada. Não teve jeito. Virei chacota da turminha.
Nem bolo, quis comer.

Aos 7, comemorei a data na festinha de uma amiga. O mágico me convocou para a apresentação. Fiquei dentro de um caixote por alguns minutos.
O "senhor dos sortilégios" fazia suas firulas.
Eu, experimentava a claustrofobia.
Estraguei o truque aos prantos. Uma cena hilária.

No aniversário de 9 anos, teve discoteca na sala de casa.
Mamãe tirou todos os móveis. Arranjou um cercado de madeira que delimitava a pista.
Usei bota de borracha branca com franjas da Melissa e minissaia de camurça azul.
Modelito aberração teen da época. Abri a série do Karaoquê interminável, sem medo de ser feliz.
No microfone, um desafinado "Diz pra eu ficar muda, faz cara de mistério..." do Kid Abelha.
Aniversariante pode tudo.

Aos 13, ganhei festa surpresa no Gattopardo. Pizzaria point da cidade.
Chorei e tudo com a surpresa. Lembro que meu pai se incomodou com "Bichos escrotos" aos berros no salão.
Tinha palavrão na letra dos Titãs...
No dia seguinte, desfilei no colégio a mochila nova da Company.
Objeto de desejo de toda gatinha carioca.

Não quis festa tradicional aos 15 anos. Preferi uma bagunça com amiga ainda mais animada que eu.
O pai da Maria morava numa casa enorme no Joá. Quase botamos a mansão abaixo.
Perdemos a lista de convidados e o controle. De repente, mais de trezentas pessoas sacudiam no deque de madeira. E, acreditem: o DJ mais famoso da época era Indio da Costa. Ele mesmo.
O vice de Serra nas últimas eleições. Ficamos desacreditadas pela família depois do estrago.
Que foi divertido, foi.

No apartamento da mamãe, foram várias reuniões nos aniversários seguintes.
Sempre com duas cópias da lista seleta e segurança na porta.
Banheiros entupiram, copos quebraram, sofás mancharam.

_Sem conserto. _disse a faxineira, chocada no fim de um dos agitos.

Casais, que ainda existem, se formaram sob o teto daquele apê.
Amor verdadeiro vale mais que a "perda total" dos tapetes.

Depois de mais de 30 comemorações, me pergunto:
Se não soubesse quantos anos tenho, quantos anos eu me daria?

Talvez 6, pela ansiedade que, vez por outra, me invade.
Talvez 7, pela claustrofobia que, vez por outra, me aflige.
Também pode ser 15, pela ousadia adolescente que só aumenta,
Ou até 50, pelas responsabilidades, que vez por outra, assumo.

Não importa.

Depois de três décadas, ficamos experientes em datas festivas.
Aniversário ganha sabor diferente.
Sabor ainda mais gostoso.

Vamos dançar até de manhã?

quinta-feira, 10 de março de 2011

A Felicidade


Sempre flertei com a Marquês de Sapucaí.
Em dia de desfile, minha mãe fazia vista grossa para a hora de dormir.
E as três irmãs pirralhas viravam juradas diante da TV.
Até o sono vencer.

A adolescência trouxe autorização para desfilar.
Os olhos saíram da tela para enxergar o colorido real.
Foram várias escolas, fantasias elaboradas e diversão com a amiga Olivia.

Já repórter, a festa mudou.
Tinha crachá para invadir qualquer canto da passarela. Um sonho antigo.
Faltava era a autonomia para sambar. Guardava na goela minhas impressões.
O Carnaval virou serviço. Pesado.
Foram doze anos virando noites na maratona da Sapucaí.

Chegou o ano 13 da cobertura. E a alegria voltou. Surpreendentemente.

Na escala da emissora, surgiu meu nome nas arquibancadas populares.
A missão era passar a noite fitando, não as atrações, mas as reações.
Cheguei ao Setor UM, o mais democrático do Sambódromo.
Sentei entre estranhos e voltei a ser expectadora.
Num ângulo genuíno. De quem viu o Carnaval nascer nos Morros cariocas.
De quem o ninou nas vielas.
Estavam ali os personagens da canção " A Felicidade" de Tom e Vinicius.

Gente que trabalha o ano inteiro por um momento de sonho. Para tudo se acabar na quarta-feira...

Dona Ediviges, 82 anos, vestia fantasia de melindrosa na arquibancada.
Levou almôndegas de carne preparadas com esmero no dia anterior.
Conhecia todos os componentes da comissão de frente da Grande Rio pelo nome.
Todos seus "sobrinhos lá da favela".
 _ Canso de fazer angu pra eles. Precisa sustância pra aguentar o tranco, né?

Quando a escola passou, desceu uma lágrima gorda pelo rosto da melindrosa.

Em outro degrau, conheci Dona Aidir.
A primeira Rainha de bateria da União da Ilha.
Ainda com ziriguidum e postura real. Sambamos juntas ao vivo.

As amigas de Irajá, ensopadas pela chuva, batiam o queixo tanto quanto o batuque do tamborim.
E queriam mais. No show da bateria, formou-se uma nuvem de respingos alegres.
Era a roupa e a peruca das moças secando no balanço do requebrado.

Seu Jonas, um senhor mulato de bigode farto, criticava a "paradinha" da Mangueira. Ele pode.
Foi ritmista e amigo de Cartola. Enquanto isso, as netas sambavam "miudinho" no que restou do concreto lotado.

De repente, a marcação se cala. A alegria vira ilusão. O sol nasce.
_Hora de pegar a condução, minha filha. Até ano que vem._ disse Dona Ediviges.

Tristeza não tem fim, felicidade sim.