quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

BANCADA



Na carreira que escolhi, promoções são públicas.
Estreias, encaradas ao vivo.
Desafios, via satélite.

Era sábado. Era cedo.
Segui para a emissora com jornais, aindas quentes, embaixo do braço.
A chuva no Norte, as obras da cidade, os ensaios de Carnaval.
Tudo na ponta da língua, na vista, entranhado na massa cinzenta.

No camarim, Ronald, o maquiador, animado ao som de funk.
Olhos concentrados iam se colorindo de sombra e rímel.
Entre pinceladas, um filme dos últimos anos:
Da jovem comunicativa escolhendo a profissão, da estagiária do rádio, da intrépida repórter de tv.

Lembrei do carpete da casa do meu pai.
Eu me sentava no chão para ver o RJTV, logo depois da série de desenho animado.
A TV, grande e larga, tinha antena escorada na estante lateral e botões giratórios de volume. 
Enquanto vestia as barbies, ouvia, caladinha, as notícias na voz de Fatima Bernardes, Leilane Neubarth, Marcos Hummel...
Não podia interromper Carlos Fernando, interessado nas manchetes do dia.

Anos depois, quem diria, naquele mesmo apartamento,
o silêncio viria com meu "boa tarde".
E o estúdio seria meu carpete.
Não vesti bonecas. Vesti-me de apresentadora.

Já pronta, olhei o espelho que já refletiu tantos ídolos.
Encarnei a nova personagem.

Jorge Fernando, o diretor de TV, era o entrevistado do dia.
No elevador, ele soube que seria minha primeira vez.
Me recomendou sacudir as mãos até deixá-las dormentes.
Uma espécie de catarse que libera e busca energia no ar.
Foram 12 andares quebrando a munheca.

No alto do prédio, um estúdio de cenário acolhedor.
A vista deslumbrante da cidade onde nasci.
Os pontos turísticos abençoando.
E a bancada, me esperando.

Jornal no ar. Coração em compassos diferentes.
Meu foco fechado em cada bloco. Até nos intervalos.

Por um momento, senti certo orgulho de mim.
Orgulho pela conquista da confiança.
Minha e dos outros.
Estava lá a carioca apaixonada, cheia de microfone.
Cheia de voz. Sozinha.
Noticiando as mazelas do Estado.
Cobrando atitudes das autoridades.
Celebrando também a alegria de morar aqui.

É por isso que fiz jornalismo.

Na carreira que escolhi, os desafios são via satélite.

Que sejam... 

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Dedico o texto a Carlos Fernando Gross (meu pai)
Cecília Mendes (editora-chefe do RJTV) e
Bernardo Jablonski (meu eterno professor de teatro).

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A Alegria Pode Ser Simples

Não havia grãos desocupados.
A chuva caía sem dó. Sem intervalo para evaporar.
Penteados, tecidos caros, perfumes...
Desmanchavam na areia.
Diluíam na correnteza.
Como oferendas para Iemanjá.

Eram milhões.
Ensopados. Mas, de verdade.
Revelando no rosto, de maquiagem derretida,
a marca do tempo.
Que ia passar, mais uma vez, em breve.
Que tinha que mudar para melhor dali pra frente.

Se o minuto fosse efêmero para os pedidos,
A prece poliglota se apressava.
Um sussurro universal na praia famosa.
Em inglês, o americano rezava por saúde.
Em francês, o belga gritava por dinheiro.
E em bom português, o brasileiro evocava a paz ao som de atabaques.

Cada qual com seu Deus, seu Orixá, seu Messias.
Crenças ecoavam sem fronteiras.
Sem trauma, sem passado.
Em Copacabana, a fé é ecumênica.
Qualquer religião tem o mar como testemunha.

No altar improvisado do Candomblé, a vela apagou.
O isqueiro do judeu deu luz à chama a tempo do ritual.
A emoção da carola contida com o lenço do angolano.
A dança de umbanda sacudia os gringos.

Afeto livre, a céu aberto.
O jovem gay abraçou o namorado a meia noite.
A adolescente teve a primeira bitoca roubada.
O casal de idosos festejou mais um ano de amor com beijo comovente.
A criança chorou com o barulho dos fogos.
E críticos picharam a pirotecnia a cada explosão.

Mais chuva, pés enrugados, banheiros afastados, multidão, cerveja cara, sapatos perdidos.

E a felicidade ali. Escancarada.

A repórter passou o Reveillon trabalhando.
Viveu a virada observando.
Tentando entender o motivo do entusiasmo.
Molhada com a água que escorria do céu.

Meu ano chega com esperança.
Com descobertas. Com alma lavada.
Desapegada.

Sim.
A Alegria pode ser simples.