sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Olho Turco

O Carnaval começa bem mais cedo para os repórteres.
Meses antes da festa, lá estamos nós rondando os barracões.
Nessas andanças, aprecio o trabalho de ferreiros e aderecistas.
Acompanho as alegorias ganhando forma. Fantasias brotando das máquinas de costura.
Aprendi a gostar de todas as escolas e suas peculiaridades.
Minha torcida é sempre pela surpresa. Venha ela de onde for...
Em dezembro de 2003, em visita à Unidos da Tijuca, os carros alegóricos me impressionaram.
Eram apenas armações de ferro. Cruas. Confesso que saí preocupada. Na mesma tarde, entrevistei o autor da obra. Um homem forte de camiseta justa e sorriso largo.
Era Paulo Barros e seus mistérios. Não quis me explicar como preencheria aquelas estruturas brutas e vazias. Só descobri no dia do desfile.
O carro era feito de gente. Bailarinos pintados de azul que se moviam como marola brilhante. Toda a gente que viu, aplaudiu de pé.
Pouco tempo depois, fiquei amiga de Paulo. Uma aproximação inexplicável. Espontânea.
Gosto de figuras criativas, ousadas. E acho que ele também. Daí por diante, entrei para um grupo seleto. Cada vez que vou ao barracão, tenho acesso aos desenhos secretos do carnavalesco, na salinha refrigerada no segundo andar. Ouço as ideias, bem antes de saírem do papel.
Enquanto ele conta os segredos, os olhos brilham.
Meu compromisso é não divulgar nada nas reportagens.
Missão cumprida a duras penas. A duras plumas...
Vez ou outra, ele não resiste. Libera a divulgação de algum detalhe para acalmar minha angústia jornalística.

Chega 2005 e lá vem Paulo com suas loucuras inovadoras. Naquele ano, o carnavalesco estava mais ansioso. A imprensa apontava a Tijuca como favorita ao título. Havia um clima de olho gordo no ar da azul e amarela da zona norte. Em um dos nossos encontros, ele notou que eu usava, pendurado em meu cordão, um pingente azul. Um pequeno olho turco. Presente da Tia Tanit, que por acaso é outra apaixonada pelo Carnaval. A bolinha, segundo conta a lenda, é blindagem contra mal olhado. Nunca fui das mais crentes, mas, na dúvida, decidi usar. Prometi dar um olho turco a ele antes do desfile. O ritmo de trabalho não permitiu um novo encontro nos dias seguintes.

Chegou o Carnaval. Na correria da concentração, procurei o carnavalesco e nada.
Poucos minutos antes de a escola entrar, cumpri minha promessa.
Num encontro rápido, tirei do bolso, não um olho turco, mas um medalhão turco de murano.
Achei que o amigo precisaria de uma blindagem maior. Para minha surpresa, Paulo apareceu na passarela com a peça amarrada ao pescoço. Jornalistas curiosos perguntavam se era uma proteção extra.
Senti certa responsabilidade. Imagina se algo desse errado?
A escola passou bela, para meu alívio. Arrancou até lágrimas da arquibancada.
Já na dispersão, Paulo surgiu exausto e sem o medalhão:
 _A medalha estava bem amarrada. De repente, o cordão de couro se rompeu e ela caiu no chão. Se partiu em mil pedaços._ contou ele, chocado.

Naquele ano, mesmo com inovações e aplausos, a escola ficou, mais uma vez, em segundo lugar.
O olho turco talvez não tenha aguentado tantas energias.
Paulo agora esconde seus amuletos. Guarda no peito sua confiança.

E eu, sigo de olho nos encantos do Carnaval.
Olho que não é gordo, nem magro. É vidrado.
Mas, não quebra. De jeito nenhum.

14 comentários:

  1. Muito legal o texto! hahahaha

    Paulo Barros chegou pra mudar o carnaval, mas infelizmente está virando muito espetáculo, o que tira um pouco da essência!

    Mas o cara é fera mesmo!

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  2. A criatividade de Paulo Barros é realmente algo tão insuperável que nem mesmo o "olho que tudo vê" conseguiria quebrar a magia que ele transmite no desfile de sua escola.

    http://duo-postal.blogspot.com

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  3. Inveja a pior macumba do mundo!!! Nem o olho turco aguenta!

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  4. Um olho vidrado que na realidade vislumbra um espetáculo, concebendo a essência deste, no porvir.
    O melhor olho turco "Nazar Bancugu", que pode dar-lhes é o desejo do amago do seu ser que nasce das raízes do seu coração e que contra isso "Olho Gordo" algum pode penetrar na perfeição do que será realizado.

    Parabéns Paulo Barros, que seu coração seja um OLHO TURCO insuperável.

    E parabéns Mary G. por este artigo.

    Facebook: Jonathan Muniz
    jonathanjsa@hotmail.com

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  5. Tudo o que eu falar sobre esse texto vai soar como clichê...conseguiu me deixar sem palavras...só digo q o texto é simplesmente PERFEITO..
    Sou muito fã do seu trabalho...
    parabéns mesmo...

    @rogeriocrmalta
    gero_caldeira@hotmail.com

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  6. Acadêmico do Paulo Barros na cabeça!!!!
    Admiro seu talento há tempos...uma afinidade inexplicável mesmo sem conhecer pessoalmente. Já mandei recados inúmeras vezes por conhecidos dele.
    Mariana Gross....uma fofa que tenho aprendido a admirar em cada matéria do RVTV e cada post do blog :) Carol

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  7. Realmente a ciatividade Paulo Barros a cada ano se supera!!Parabéns pelo belo artigo, e pelo seu trabalho q realmente é impecável, faço jornalismo e vc é ótimo exemplo profissional pra mim!!
    Bjkas

    http://normalzero.blogspot.com/

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  8. Paulo Barros é um gênio! Sou muito fã do trabalho dele, que a cada ano nos impressiona mais e mais.

    Saudade de falar com você. Beijo Mari.

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  9. Adorei o relato...assim como adoro esse seu blog,

    Beijos.

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  10. Adoro seus textos. São mto bons de ler...
    Bjos

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  11. Realmente Paulo Barros está entrando definitivamente para a galeria dos grandes artistas do Carnaval,como Fernando Pamplona,Arlindo Rodrigues,Joãozinho Trinta...A cada ano ele consegue se superar,e nos encantar também.
    O mesmo posso dizer em relação a você,que a cada texto me encanta com sua forma simples e bela de ver,sentir,e de traduzir em palavras,de forma magistral e absolutamente encantadora,suas observações e sentimentos.
    Parabéns!Beijos!

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  12. E, mais uma vez, Paulo Barros mostra a que veio! De pouco em pouco, ele conseguiu criar uma nova forma de fazer carnaval, sem se prender aos enredos rotineiros e batidos. Cinema na Sapucaí! Avatar, Harry Potter... quem imaginaria isso anos atrás? O cara é show de bola! E não tem essa de perder essência não, toda fórmula fica ultrapassada depois de um longo tempo de utilização, não seria diferente com os desfiles das escolas de samba. O Paulo vem como um lembrete de que é preciso estar sempre inovando e explorando a criatividade, sem perder, é claro, a identificação com o espírito do carnaval e com o perfil dos membros e torcedores das escolas. Haja olho turco!

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  13. Aprendi a admirar a beleza do carnaval após conhecer Paulo Barros, já na unidos da tijuca. Esse mestre criativo, revolucionário, cujo esforço ano após ano permanece em seus olhos ao ver a galera estupefata com não só desfiles, mas verdadeiras obras de arte ambulantes, que ele da vida na sapucaí.

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  14. Desfilei no ano do carro do DNA, descrente, até achei que era furada, mas Carnaval e furada ... tô dentro.
    E adoro, olho turco, tenho cordão, pulseira e chaveiro, pra tanta furada ...
    Hoje minha sobrinha me disse que sou PICA DAS GALÁXIAS, perguntei o que é, ela me disse que é pq sou impressionante(do alto dos seus 06 anos), só ri, agora me ocorreu que vc e Paulo Barros tb são.

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