terça-feira, 10 de agosto de 2010

Drink com Fidel


Horas de plantão no carro de reportagem da Rádio CBN.
Faustino e uma jovem estagiária decifraram todas as palavras cruzadas. Motorista decano do Sistema Globo, Faustino era fumante inveterado.
Um Galaxy atrás do outro.
O bigode não amarelava. Seguia negro feito pena de tucano.

Já faz 11 anos. Fidel Castro estava no Rio. Protegido pela Segurança Nacional e de Cuba. Um cerco de 40 homens.
Na porta do hotel, em Copacabana, colegas renomados a espera de um adeus que fosse. Vencidos pelo cansaço, foram embora.
Nós? Ficamos. Não por vontade própria. Por ordem do chefe de reportagem, Luciano Garrido. Cheio de intuição.
Anoiteceu. O bairro fervia com ambulantes e prostitutas nas calçadas.
Já passava das 11 e veio a surpresa:
El comandante e cerca de 30 guardas saem à pé. Parecia miragem. O grupo seguiu para o bar “Havana Café”, de um hermano da ilha. Sentaram na varanda.
Eu e Faustino logo ocupamos mesa próxima, sob olhar atento dos guarda-costas. O líder cubano abraçou o dono do bar e pediu um Daiquiri.
Pedi o mesmo, propositadamente.
Minutos depois, desfila o garçom com os dois drinks em copos longos. Serviu primeiro o cliente ilustre. Fidel pergunta para quem é o outro copo. O garçom aponta para mim. Recebi então um olhar firme, emoldurado pela vasta sobrancelha.
Em pouco tempo, Fidel pediu mais um, e eu, também.
Foram mais três rodadas em prol do approach. Os seguranças relaxaram.
Chegamos ao estágio das risadas. Em meia hora de conversa sobre Pelé, convenço um dos guardas a sugerir uma entrevista a Fidel, com a promessa de conseguir um autógrafo do rei do futebol.
Incrivelmente, atendeu meu pedido.
Fidel fez sinal. A estagiária tremeu. Suou.
Aproximei-me com gravador em punho.
Uma figura imponente, mãos robustas, unhas feitas e voz desafinada.
O perfume era legítima alfazema.

_A ti te gustan Daiquiris? _perguntou Fidel
_Si Comandante. _ disse, trêmula.
_ Tienes muy buen gusto para lo que tomas.
_ Gracias.
_Me tengo que ir, buenas noches, senhorita.

Ainda tentei esticar a conversa... Em vão.
Lá se foi minha entrevista exclusiva cercada por homens armados.
Voltei para a mesa, frustrada. Bêbada de rum.

O chefe Garrido foi poupado do episódio. Nunca soube do encontro.
Um pacto entre mim e Faustino, agora reverberado.

Ao menos, saímos premiados.
Quando pedi a conta, a cortesia:
_ Pode ir tranquila, repórter. Fidel gostou de beber com vocês. Fez questão de pagar a conta.

28 comentários:

  1. A vida de jornalista é uma caixinha de surpresa mesmo... Também sou da área e coleciono alguns "causos", porém, de dentro da redação. Mesmo assim é uma rotina doida, que não consigo trocar por nada menina! Enfim: um brinde de daiquiris a nossa labuta, hahaha! Bjo

    ResponderExcluir
  2. Não é todo mundo que tem a conta paga por Fidel...rs
    Delícia de história, Mariana!

    ResponderExcluir
  3. Uma sutil aula etílica de jornalismo e política :) Bjks!

    ResponderExcluir
  4. Que belo post Mariana. Experiência única mesmo, coisa para contar para os netos....

    ResponderExcluir
  5. Não deu a entrevista mas pagou a conta. Perfeito!! hehe Adorei!

    ResponderExcluir
  6. Nooossa! Que experiência marcante! Por isso que escolhi essa profissão! Hahaha!
    Mas é mesmo muito phyna essa Lady Gross! :)
    Beijos!!

    ResponderExcluir
  7. hahahahahaha!

    e eu feliz pq tomei um chopp com a banda da joss... cara, vc conheceu o fidel! admiro muito o fidel! apesar de tudo...

    mas valeu a pena pela "aventura", né? conta mais histórias assim!!!!!! beiJOSS!

    ResponderExcluir
  8. Essa foi sua primeria suspirada?
    São histórias como essa que fazem da sua profissão, uma das mais fascinantes.
    História deliciosa. VocÊ deve cmoeçar a pensar em transformar suas histórias em livro.
    Parabéns.

    ResponderExcluir
  9. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  10. Sempre bom ouvir histórias como essa. Muitos acham que os grandes repórteres nunca ficaram nervosos, erraram ou erram.
    São tão bons que passam aos que estão começando uma sensação de que nunca foram aprendizes.

    Olha a prova ai!

    Além de boa história é uma aula!
    Bjoss

    ResponderExcluir
  11. Essa eu já conheciaaaaaaaaaa! Que delícia de história, Mari. Escrita, então, é de tirar o chapéu!!!

    beijoca

    ResponderExcluir
  12. hahahaha que história engraçada. Bela estratégia ao pedir o mesmo drink, sagacidade pura.
    Apesar de não ter concedido a entrevista, ele foi gentil ao pagar a conta. Fiquei impressionada com as atitudes do El Comandante nesse episódio.

    Adorei!

    Beijo Mari.

    ResponderExcluir
  13. Sensacional, Mariana! Boa pra contar pros netos!

    ResponderExcluir
  14. Grata surpresa, esse seu cafofo virtual... Virei leitor! Beijos, saudoso carinho na lembrança!

    ResponderExcluir
  15. Mariana,
    não sei o que dizer,está mto gostoso ler a cada vez mais que entro aqui,é um texto melhor que o outro,é por isso que adoro essa lady..
    Te adoro e que Deus te ilumine sempre.

    bjussss

    Sérgio Barros (@slbarros)

    ResponderExcluir
  16. Nossa, como deve ter história para contar essa Gross! Muito bom, Gross, muito bom, como sempre!!!

    ResponderExcluir
  17. Qual seria a reação do Garrido, hoje, se soubesse do semi-furo!?
    E, quais assuntos seriam abordados na entrevista, naquela época? Certamente, o material ficaria no arquivo e seria usado nestes últimos 11 anos e por séculos, pela Rede Globo.
    Uau, mas que grande chance! :)
    Ahazô, Gross!

    ResponderExcluir
  18. Descobri seu blog e estou gostando muito dos seus textos.É saudável em tempos de sociedade líquida ver uma jornalista que pensa. Parabéns. Mariano. RJ

    ResponderExcluir
  19. Poxa Mariana...
    perdestes a oportunidade de colocar "chumbinho" na bebida do comandante?

    Mas o texto e a situação merecem 10!

    Beijo, Érico

    ResponderExcluir
  20. COMO TEM GENTE REACIONÁRIA NESTE BRASIL. EM CUBA NÃO TEM ANALFABETOS COMO AQUI.

    ResponderExcluir
  21. COMO TEM GENTE DESINFORMADA NESTE BRASIL. EM CUBA, CONTINUAM MATANDO OPOSITORES NO PAREDÃO

    ResponderExcluir
  22. OPOSITORES NÃO. LACAIOS DOS AMERICANOS! VIVA A REVOLUÇÃO CUBANA!

    ResponderExcluir
  23. VIVA O GOLPE DE 64!!! RS

    ResponderExcluir
  24. Mariana, aquele plantão chato seguindo José Serra não foi de todo mal, no carro vc me apresentou ao seu blog e virei um admirador. Confesso q não li todos, mas li vários dos textos publicados e cada um que leio viro mais seu fã.
    gRória a Deus mariana
    BJSS

    ResponderExcluir
  25. Mari que delícia conhecer seus "causos"... Entre uma suspirada e outra suas histórias me fascinam... Deus permita que ao terminar a facul eu possa tê-las tbm...

    Fantástica... On-line, és a melhor jornalista, disparada a mais gentil por partilhar conosco tanto do que tem a contar...

    http://apenas-daniel.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  26. bela escolha de Fidel, e vc inteliugente como é acompanhou mt bem..

    ResponderExcluir