domingo, 15 de agosto de 2010

Adeus Mariana


O caudilho não queria falar. Rei da retórica, Leonel Brizola estava reticente. Lacônico com a imprensa há semanas.
A raposa política era o lanterna das pesquisas naquelas eleições em 2000. A tarefa da estagiária era entrevistá-lo a qualquer custo.
A reportagem só iria ao ar com a declaração de todos os candidatos à prefeitura.
Tentei por telefone em mais de quinze ligações.
Na última, um brinde da sorte:

_Alô, quem fala? _Boa tarde candidato.
_A tarde é mesmo boa, mas não vou falar com jornalistas._disse ele.
_Aqui é Mariana da Rádio CBN.
_Mariana? Sabe que estava pensando nesse nome agora?

Surgiu um Brizola nostálgico.
Desatou a cantar uma canção com meu nome. Tinha até alguma afinação.
A letra era uma despedida. Sobre um homem que decidira largar uma mulher durona. Minha xará dos pampas.
Depois de soltar a voz, revelou que se tratava de uma composição antiga que marcara sua adolescência.
_Cantava esta música para minha primeira namorada em serenatas. Mariana era uma gaúcha brejeira. Quase casei-me com ela. Nunca mais encontrei um disco do grande intérprete. Uma pena.

Brizola se referia à Pedro Raimundo. Típico cantor sulista. De voz melodiosa e pouco conhecido na Região Sudeste.
Resumo da serenata telefônica: O candidato cantou, mas, não falou. Encerramos a ligação em seguida. Meu chefe não gostou. E eu, não me dei por vencida.
No mesmo dia, invadi a Central de arquivos do Sistema Globo de Rádio, uma das mais completas do país.
Os técnicos encontraram a machadinha que quebraria o silêncio de Brizola: Raras gravações do tal cantor gaúcho em vinil, incluindo o hit “ Adeus Mariana”. Gravei a fita-cassete com uma música. Na época, gravadores de CD ainda não eram acessíveis. Deixei no prédio de Brizola, em Copacabana, com um cartão: Para o senhor recordar. Envio apenas uma das dezenas de músicas que encontrei na voz de seu cantor preferido. Se quiser ouvir as outras, ligue para a redação."

Minutos depois, o telefonema emocionado:
_ Mariana, o presente me fez remoçar. Sinto-me revigorado para continuar minha campanha. Agora vai.

Não foi.
Brizola me deu entrevista naquele dia. Nunca mais se negou a falar comigo. Me atendia prontamente, sempre cantando. Depois das eleições, ganhou outra fita-cassete. Dessa vez, com os dois lados repletos de canções.

22 comentários:

  1. Para quem quiser ouvir a música hilária, lá vai o link:

    http://www.paginadogaucho.com.br/musi/mp3/mus059.mp3

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  2. Gente, essas aventuras... Só Mariana Gross mesmo.

    Aliás, atitude esperta.

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  3. Boa, Mariana!
    Na época de estagiária só te davam missões impossíveis, hein?!.. Se bem que não anda mto diferente, né?! Desabou, encheu, transbordou, tá lá a Gross! Qse mulher maravilha!
    Beijos!

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  4. Você nos aparece com cada história.. uma melhor que a outra.
    Mais emocionante do que ler histórias como é essa, é poder ter vivido tudo, parabéns pelo trabalho sensacional!

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  5. Exímia negociadora!! Vc deve ter sido um ótima estagiária. A música é msm hilária. hehehe

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  6. E vivam as artimanhas do jornalismo!!! Ótima história. Bjos.

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  7. Não contive a curiosidade e ouvi a música! Hilária mesmo, imagino então na voz dele.

    Suas missões na Rádio CBN eram verdadeiras aventuras, cada história incrível. E mesmo assim, o que mais me surpreende é a sua esperteza em cada uma delas.
    Traduzindo o cartão que você mandou para ele: "Não contava com a minha astúcia, né Sr.Brizola?" hahaha

    Excelente história!

    Beijo Mari.

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  8. ele não tava te "cantando " não ? Kkk

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  9. Adorei o blog. Está entre os meus favoritos...bjo

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  10. Fiquei boba com as suas historias, Mariana! Primeiro pq voce era uma estagiaria nota 1000, eu queria encontrar uma assim! Segundo, eu nao quis nem comecar a comparar minha rotina num escritorio com essas suas aventuras. Mandou muito bem! Beijos.

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  11. Mariana, você é demais!!
    Quando tem que ser mesmo, é viu??
    Adorei a história!!
    Beijos!!

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  12. Bela historia!!!
    Emocionante...

    Bjinssssssss

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  13. como já disseram, eu também não contive a curiosidade e fui ouvir a música... Muito boa a história

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  14. Sempre admirei muito o Brizola. Mas, com todo respeito que ele sempre terá de mim, essa história é sua, Mari. Você conseguiu dobrar o velho, perspicazmente, à maneira clássica de um jornalismo que não existe mais: autêntico.

    Sou seu fã, madame. Beijo enorme!

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  15. Mariana: sensacional a história. Permita-me: http://butecodoedu.blogspot.com/2010/08/entrevista-com-beth-carvalho.html

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  16. Mari, que música engraçada... kkkkkkkkkkkkkkk... E essa música que te deu as entrevistas e acesso ao velho caudilho... Adeus Mariana! rs...

    Parabéns pela perspicácia, pela coragem, e por não desistir... já presenciei uma palestra sua na Estácio, e simplesmente é D+ ouvir todas essas suas histórias... Bom saber que agora tem o blog pra deixar registrado!

    Sou formando em jornalista, nem sei se chego a trabalhar na área, mas bebo da sua inspiração!

    http://apenas-daniel.blogspot.com/

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  17. Parabéns para Mariana, pela belíssima história. Cá do meu canto "demodê, saudosista, blasê, retrô", citando Aldir Blanc, lamento profundamente a tônica dominante nos comentários acima. Uns caçoam da música, revelando, mais do que apenas a arrogância típica dos que tudo julgam pela ótica de suas idiossincrasias (estéticas, morais, políticas etc.), a insensibilidade para perceber no episódio, acima do evidente sucesso do saboroso "ardil" profissional utilizado, a lição mais importante: de como podemos humanizar as relações interpessoais para muito além dos manuais de redação, dos protocolos cerimoniais etc. E com bons frutos. Não só os que os utilitaristas conseguem enxergar (versão contemporânea dos "idiotas da objetividade" rodriguenos), mas os que, "pra se entender, tem que se achar que a vida não é só isso que se vê".
    Saudações!
    Fernando Szegeri

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  18. Que texto simples e ao mesmo tempo tão carregado de emoção!...Simplesmente maravilhoso.Ainda espero ver esses textos todos em livro.Para o nosso deleite.Beijos.

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  19. Lindíssima história vivida entre vocês. Vai ficar na minha imaginação o fato ocorrido. Bárbaro!

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