terça-feira, 15 de julho de 2014

Eu tinha uns seis anos.
Paramos em um sinal de trânsito em Botafogo quando meu pai avistou um cantor famoso no carro ao lado:
_Meninas, discretamente, olhem à esquerda. É o Léo Jaime ._ balbuciou.

Eu, sentadinha no banco de trás do Monza, abri o vidro e gritei:
_Oi Léo Jaime! Sou sua fã!_

Antes de o sinal abrir, ainda tive tempo e coragem de cantar o hit da época: "As sete vampiras". Animadamente.
O cantor riu. Meu pai não.
Levei bronca.

Não havia celular na época. Muito menos foto digital. Caso contrário, teria tentado registrar.
Afinal, tratava-se de um encontro com o cantor preferido.

Dizem que é de bom tom manter a linha e, praticamente, ignorar os famosos na rua.
Idolatria é considerada cafonice por muitos. Eu mesma canso de entrevistar ídolos disfarçando a admiração. A profissão exige  auto- controle. Confesso que, em alguns casos, no fim da gravação, peço foto. Não sou de ferro.

Sempre fui seletiva. Só revelo preferência à celebridade que realmente curto.
Certa vez, numa festinha infantil, tive a chance de estar perto de uma apresentadora de muito sucesso na minha infância. Lembro que não fiz questão de conhecê-la.

Preferia roqueiros e galãs. 
Ainda adolescente, num restaurante em São Conrado, reconheci o guitarrista Mark Knopfler, do Dire Straits. No caso de famosos internacionais fica irresistível.
Quando é que eu iria ter aquela oportunidade outra vez?
O músico não foi dos mais simpáticos. Não trocou nem palavra com a mocinha de franja.
Autografou o guardanapo molhado e pediu a conta. Voltei para mesa um tanto decepcionada.
Queria ter, ao menos, praticado meu inglês. Mas, não teve nem um mísero hi.

Já o ator Sean Connery foi surpreendente.
O vi numa loja de departamentos, em Nova Iorque, enquanto escolhia uma gravata para meu pai.
O eterno James Bond comprava umas em modelo borboleta.
Sir Connery gostou logo da que escolhi. Perguntou ao vendedor se havia outra igual no estoque.
Elogiou meu bom gosto e até perguntou para quem era o presente.
Tomamos um chá, enquanto o atendente revirava as prateleiras.
Meu pai ainda tem a gravata 007. Espero que ele também.

Em Paris, com minha irmã, esbarrei com o ator Clive Owen. Ao me aproximar, pela primeira vez, fiquei muda de tão nervosa. Minha irmã teve que falar por mim e ainda tirou a foto acima enquanto tomávamos sorvete à beira do Sena.

A sorte anda comigo.
No fim da tarde de uma terça-feira, no Baixo Gávea, almoçava tardiamente nos fundos do restaurante vazio, quando um senhor cabeludo chegou. Sentou de costas para mim.
Ele tentava pedir uma caipirinha de cachaça e maracujá com açúcar, sem sucesso.
Fiz a tradução para o garçom, que me agradeceu muito. O tal gringo também:

_Perfect!_ brindou ele.

Era Robert Plant.
Mais uma foto para meu álbum antológico.

Certa vez, sobrou até para minha querida colega Ana Luiza Guimarães.
Eu, prestes a começar a faculdade de jornalismo, reconheci num bar a, então, super correspondente da Globo em Londres. Lógico que fui importunar. Fiz várias perguntas e, sem nunca ter me visto, ela profetizou que eu, um dia, trabalharia na TV.

Hoje, de certa forma, em alcance infinitamente inferior, vivo situações parecidas.
Nada mais normal já que invado a casa das pessoas, quase que, diariamente.
E tem gente por aí que aprecia o trabalho da moça aqui. Graças ao bom Deus.

Comigo as abordagens são, eventualmente, invasivas. E eu me divirto.
As pessoas se sentem íntimas. De verdade.
Há tempos, ainda solteira, fui parada por uns surfistas sarados durante reportagem no Arpoador. Fiquei toda prosa, mas, só por alguns minutos:

_ Oi! É você mesma? Achei que era mais "fortinha" pessoalmente. Na TV, você parece mais gostosa._ disse o gaiato.

O cinegrafista Sérgio Leite, que estava comigo na praia, até hoje, me chama de "Magrela Gross", graças ao comentário daquele surfista.
Para felicidade geral, o apelido pegou.

Outro dia, aguardava uma mesa numa lanchonete com meu marido, quando um senhor atleta se aproximou. Se declarou meu fã e pediu permissão ao Guilherme para me dar um abraço.
Foi tão afetuoso que me levantou do chão. Rimos muito.

Uma senhorinha, meses atrás, me apertou a cintura no meio da rua.
_É para ver se você é magra mesmo ou se usa cinta para esconder as gordurinhas_ disse.

Comovente mesmo é o reconhecimento das crianças, sempre tão verdadeiras.
Esse ano, soube de um caso inesquecível.
Recebi carta de agradecimento de uma mãe de Del Castilho.
Ela relatou que seu bebê, de nove meses, só para de chorar quando ouve minha voz na TV.
Segundo ela,  sou "mais eficiente que a "Galinha Pintadinha"" .

_Conte comigo, Marcia. Eu é que, desde já, sou fã do pequeno Marcelinho.
Saúde.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

FAZER FELIZ

Casar é ter a oportunidade de conhecer a essência de alguém. 
É a chance de fazer alguém feliz.
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Ele é insone. Raramente dorme a contento.
Quando a respiração ao lado se aprofunda, me alegro.
Sinal de que, finalmente, se entregou a Morfeu.
E observo, em silêncio, o encontro.

Tem gula no fim da tarde. Vasculha a geladeira, que abasteci, ao chegar.
A mussarela de búfala fresca, o Zaatar, o azeite.
É gratificante vê-lo saborear os lanches.
Admiro quem valoriza a hora de comer.

Relaxa em banhos, com muito sabonete.
Duchas quentes e, no fim, bem frias.
Quando a porta se abre, o vapor perfumado invade o quarto.
Nunca lembra de pendurar a imensa toalha.
Faz parte.

Fala baixo. Fala pouco.
Falo por ele.

Se arrisca na cozinha.
Inventa, mistura, assa e acerta.
É ousado. Oferece aos amigos. Enche a casa.
Suja muita louça. Paninhos engordurados se acumulam sobre a pia.
Me delicio com o cardápio do dia. Depois, arrumo a bagunça.
É justo com o chef.

Organiza roteiros a perfeição.
Antes de partir, já sei até por quais ruas passarei.
E no caminho, surgem os desvios.
Ele muda a rota. Tem outras ideias.
Como a vida deve ser. Sem muitos planos.

Aprecia cada minuto do filho. De perto.
Os anseios adolescentes. As transformações físicas.
O amadurecimento. O primeiro amor.
E se espanta com a rapidez do tempo.

Por vezes fica ainda mais calado.
Reflexivo. Antecipa o que, muitas vezes, nem chega.
O olhar castanho, redondo, se esconde entre longas pestanas.
Mergulha em livros. Mudo.
Momentos que já aprendi a respeitar.
Não foi fácil, confesso.

São apenas cinco meses de casamento.
E sigo desvendando esse cara.
A rotina não me assusta. Revela quem ele é.
Descobertas que só me fazem bem.
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Casar é ter a oportunidade de conhecer a essência de alguém.
De fazer alguém feliz.
Diariamente.

sábado, 2 de novembro de 2013

ANSIEDADE

Vivo, logo, estou ansiosa.
Estou ansiosa, logo, vivo.

Ansiedade é sentimento que move.
E fica entranhado na memória.
Muitos não aguentam.
Para mim, sempre foi combustível.

Plantei uma muda, quando criança, em Búzios.
Passei meses esperando o próximo verão para vê-la florir no canteiro. Em casa, imaginava que altura ela estaria.
Se abelhas já estavam se alimentando do pólen.
Se a planta já tinha envergadura para fazer sombra no gramado.
No Janeiro seguinte, ela ainda nao tinha flores. Esperei mais um pouco.

Aos 11, chamei os amigos para minha primeira festa "discoteca" no apartamento da mamãe. 
Comprei roupa nova e botas de borracha branca, um must para a época.
Mal dormia pensando no momento em que, como aniversariante, teria o direito de abrir a sessão de Karaoquê cantando Kid Abelha para os convidados.
Muitas vezes, o antes é melhor que a festa em si.

Funciono bem sob pressão. Sempre deixei para estudar na madrugada anterior à prova.
Botava o despertador para as duas da madrugada e ia, de pijama, para a sala silenciosa  começar os exercícios.
Sempre deu certo, mas, sentia uma angustia danada.
E era delicioso.

E no Natal?
Será que vou ganhar a banheira glamour da Barbie que tanto sonho?
A família colaborava para a expectativa infantil aumentar.
Lá em casa, presentes só eram abertos à meia noite, em meio a bocejos dos pequenos.
Chegada a hora, rasgava os embrulhos sem dó. Ignorava cartões ou pirulitos de brinde.
Era mesmo o que eu queria! Os olhos brilharam e lá fui eu dar banho na boneca. Na hora.
Lembro que encharquei de espuma o tapete persa da vovó.
Mas, é que a Barbie estava louca para se banhar. Fazia muito calor.
E eu, louca para estrear o mimo.

Nem sempre minhas angústias foram sanadas do jeito que imaginei.

Na adolescência, mandei carta de amor para o menino mais bonito da escola.
A magrela aqui se arriscou.
O papel de carta era caprichado. Com aroma e tudo.
No dia seguinte, após uma noite sem dormir, o garoto me esnobou .
Ainda fez graça com os corações que desenhei no envelope.
Ao menos, meu coração bateu forte na noite anterior.
É o que vale.

Na festa junina do Clube fui escolhida como a noiva do evento.
Minha mãe mandou fazer um vestido caipira de renda branca.
Usei maquiagem nos olhos, véu e até buquê de flores do campo.
Coisa séria para uma menininha de seis anos. Expectativa a mil por hora.
No altar, o noivo, de chapéu de palha e bigodinho pintado a lápis preto, disse NÃO para o "enlace".
O "padre" ,imediatamente, mandou prendê-lo na cadeia cenográfica da festa.
Passei o resto da tarde brincando de corrida do saco e comendo milho verde.
O moleque que não quis "casar" comigo é meu grande amigo hoje.
Rimos sempre desse episódio.

O tempo passou e veio a angústia do vestibular.
Da profissão que escolheria.
Olheiras profundas e constantes me acompanharam.
Momento dos mais ansiosos.

Me formei e vivi a expectativa de ser contratada na Rádio CBN.
O primeiro estágio, o primeiro emprego, a gente nunca esquece.
 É uma provação. Uma aula de como se relacionar em uma empresa. Tensão dia após dia.
A primeira vez que entrei no ar no rádio foi memorável. Outro dia cercado de ansiedade.
Falei no microfone, fingindo estar firme, sobre as condições do trânsito no programa CBN Total.
Adrenalina correu solta. Deu até uma tontura.

Cresci e sigo, claro, flertando com a ansiedade.
Não tenho medo dela. Dependo dela.

Apresento um telejornal diário, longo, líder de audiência no Rio.
Todos os dias "danço um ballet" diferente no estúdio.
Será que vou segurar a emoção ao dar essa notícia tão triste?
Será que o entrevistado vai parar de falar na hora certa? Terei que interrompê-lo?
No elevador de acesso,  peço sempre para que Deus bote as palavras certas na minha boca.
É um desafio que, ao passar dos blocos do jornal, corre nas veias. Invade as entranhas.
E me faz seguir em frente.

Agora mesmo estou ansiosa com meu casamento. Me refiro, dessa vez, a um casório de verdade.
A festa, no próximo fim de semana, será pequena, em casa.
Mas, não deixa de ser uma comemoração marcante. Com foto, família e bem-casado.
Estarei vestida de noiva, mas, ainda não fiz a prova final do vestido.
Não sei se vai chover, se vai esquentar muito.
Se a bebida será suficiente.
Se vai todo mundo.
Ah! Se o noivo vai dizer sim... Que é o mais importante...

Estou feliz com tantas sensações. Durmo bem. Por incrível que pareça.

Estou ansiosa, logo, vivo.
Vivo, logo, estou ansiosa.







sábado, 3 de agosto de 2013

Olhos Fechados

Ficar em silêncio. De olhos fechados. Deitada, mas, acordada.

Dia desses, por quarenta intermináveis minutos, me obriguei a fazê-lo.
Ressonância magnética no crânio é prova de fogo para os claustrofóbicos.
É preciso deitar sob um teto que, por pouco, não roça o nariz e com capacete imobilizador.
Ao me deparar com o equipamento estreito,  alertei o técnico de que seria um teste de resistência.
De sobrevivência.

_Puxa, Mariana! Cansei de te ver na TV em tiroteios e enchentes. Vai ter medo disso aqui?_disse ele.

Fechei os olhos antes mesmo de a maca me enfiar no túnel.
Estava determinada a não abrí-los até o fim.
O que os olhos não vêem, o coração não sente.

Tinha madrugado para trabalhar naquele dia. Estava cansada.
Percebi  de cara que seria impossível dormir ali dentro. A temperatura da sala de exame é abaixo de zero e o barulho da máquina, ensurdecedor.

Foi quando, naquele ambiente estranho, vesti novos personagens. Lembrei de outros.
Visitei recordações inexplicavelmente guardadas.
E criei momentos.

A imaginação é aliada poderosa em situacões difíceis.

Primeiro tentei imaginar como seria ser cega. Concentrei nos ruídos, nos aromas.
Experiência interessante que dá consciência de instintos pouco explorados.
Logo desviei o pensamento. Fiquei angustiada.
Não era mesmo hora de experimentar o exercício.

Em seguida, lembrei da brincadeira de estátua da infância. Por várias vezes, fui campeã no pátio da escola. Ficava paradinha. Nem piscava.
Só as cócegas feitas pelo coleguinha Afonso, um tanto malvado na época, me faziam mexer.
Recordação divertida, mas, que me deu coceira na sola do pé.
Ignorei a sensação bravamente. Nem teria como coçar, presa ali.

Vieram então pensamentos mórbidos.
Eu estaria morta, em meu velório, ouvindo tudo a minha volta..
Pessoas inesperadas foram se despedir de mim. Diziam palavras lindas em homenagem póstuma.
Gente que eu nunca imaginei, chorou a minha perda.

A criatividade decidiu, felizmente, me levar para momentos mais leves.
Saltava entre lembranças, sem nenhuma conexão, com velocidade.
Vieram à mente, as corridas nos campos verdes e cheirosos da Toscana.
O desafio infantil de tocar com a barriga o fundo da piscina profunda do clube.
O discurso otimista da taróloga que visitei na adolescência.
Que loucura! Por que lembrei daquela mulher?

Embalada pela percussão incessante do equipamento, me vi, de repente, aos pulos numa festa rave.
Requebrava como uma periguete com o batidão. Nem sei dançar esse ritmo.
Comecei a rir de mim mesma e o técnico interrompeu a viagem:

_Mariana, você está se mexendo. O exame está tremido. Terei que repetir_

A voz dele me trouxe de volta. Lembrei de onde estava.
Entrei em pânico. Pensei em apertar a campainha e pedir para sair. Suava frio naquele frigorífico.
Mas, sou moça adulta. Vivida e orgulhosa. Tinha que resistir.

Foquei então em minha respiração. Visualizei o ar percorrendo o corpo, invadindo os pulmões e sendo expulso num sopro vigoroso. 
Há quanto tempo não me ouvia respirar.
Falando em tempo:

_Quanto tempo falta?_perguntei aos gritos.
_Dez minutos_ disse o técnico.

O exame estava demorando mais que o programado.
Meu cérebro nunca tinha sido vistoriado antes.
Seria eu um extraterrestre? Descobriram que não sou daqui?

No tempo restante, refiz meu passeio imaginário, tratei as lembranças como sinais e pensei em atitudes. Mulheres são assim.

_Quando levantar daqui, vou procurar o Afonso que me fazia cócegas na infância e nunca mais vi.
Mergulharei até o fundo da piscina do clube.
Dançarei até a festa rave acabar. Abraçarei os amigos inesperados que prestigiaram meu velório.
Observarei mais. Apreciarei mais.

Fiquei em silêncio. De olhos fechados. Acordada. Em um túnel gelado.
E foi inesquecível.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Ah! O Carnaval...



_Hoje vocês podem ficar acordadas até mais tarde_ disse minha mãe.

Era Carnaval. O grupo especial desfilaria naquele domingo do verão de 1985.
No quarto, já refrigerado, a cama espaçosa de Dona Maluh com  lençol macio e mantas para esquentar os pés. No colchão ainda cabia, com folga, as três filhas falantes, o encarte do jornal com detalhes de cada escola, a caixa de bombom Garoto.
O Opereta era meu. O amargo, da Fernanda, o Alô Doçura, da Ana Luiza.
A certa hora da madrugada, eu lutava contra o peso das pestanas.
Queria ter história para contar no dia seguinte.
Me gabar de que tinha visto tudo até tarde.
Queria ver a Tia Tanit desfilando. Os carros do Joãozinho Trinta. A bateria da Portela.

O sambódromo sempre me atraiu.
Quando virei jornalista, brincava, vez por outra, que um dia apresentaria a festa na TV.
Como vêem, fui uma estagiária saliente.

Sonhar não custa nada, como cantou Paulinho Mocidade.
E palavra tem poder. Samba-enredo então, nem se fala.

Chegou a hora neste Carnaval de 2013. E chegou na hora certa.
A missão era narrar os desfiles do Grupo de Acesso. A Série A.
Um desafio, afinal, a Globo nunca tinha exibido os desfiles das agremiações de sábado.
Estreei logo com 21 escolas para apresentar. Algumas, desconhecidas do grande público.
A expectativa na emissora, e fora dela, era grande.

Alex Escobar foi o parceiro na empreitada.
A dupla estreante, a priore, podia parecer heterogênea.
Ele, torcedor do América, nascido em Bangu, exímio apresentador do Esporte.
Eu, rubro-negra, da Lagoa, especialista em noticiar tiros e bombas...

Ledo engano.
Nos encontramos na paixão pelo samba, pelo espetáculo, pelo público que nos festejava nas comunidades. Foi entrosamento a primeira vista.
 Nos unimos também na vontade incontrolável de que tudo desse certo. Para todos.
Antes do dia D, a caminho das incontáveis visitas às quadras, Escobar e eu éramos calouros de show,
cantando sem parar os sambas mais remotos. Como foi bom rir das piadas infames do colega.
Pobres motorista e produtor que nos suportaram meses no carro, desafinando pra cima e pra baixo.

O estúdio Globeleza fica bem na entrada da Sapucaí.
Na esquina onde os carros alegóricos apontam a passarela.
Quando entrei de vestidinho para apresentar, lembrei do quarto da mamãe, bem refrigerado.
No estúdio, era muito homem encalorado junto.
Fui voto vencido no controle dos aparelhos de ar.
Me enrolei numa echarpe de lã e mandei brasa.

Foram duas madrugadas de diversão ao lado de bambas: os comentaristas Arlindo Cruz, Milton Cunha, Chico Spinoza e Mestre Odilon deram brilho à cobertura.
A direção de Boninho deixou a dupla a vontade. Aí foi só gingar.
Nos intervalos, a gente até se esquecia do pipi.
Era só gargalhada e sambinha.
E quando batia o cansaço, depois da décima escola, hora do energético. Levei latinhas para nós.
Bastava buscar no gelo, no canto do estúdio.

Aprendizado mesmo foi observar a tranquilidade do Escobar.
Para ele tudo flui, tudo se resolve. Rápido.

Eu estava longe dos lençóis de casa, nem tinha chocolate por perto e o encarte com as informações das escolas estava entranhado na massa cinzenta.
Mas, a saliência da estagiária estava ali.

Para narrar Carnaval, madrugada a dentro,
é preciso sambar no salto feito mulata.
Equilibrar pandeiro feito ritmista.
Comandar a bateria feito o mestre.
 Sem atravessar. Sem atropelar.

_Mãe, naquelas noite passei da hora de dormir.
Não contei a história no dia seguinte.
Narrei ao vivo. Para milhões de pessoas.

Quanta honra.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

NOSTRA

A Itália é nossa.

Pela estrada, o perfume do vento.
Da dama da noite da Toscana.
Do azeite das olivas suadas ao sol.
Do aparo da grama que voa.
Das uvas raras que ainda vão brotar.
Do chuvisco que evapora na terra seca.

Não era o motor.
Era o faro quem nos empurrava.

A cada curva, uma cidadela debruçada.
Rochedos que erguem a história.
Guerras, conquistas e pestes.
Árvores esguias e cabeludas como testemunhas.
Praças e escadarias. Fontes e bicas.
Altares e mármore travertino.

Igrejas milenares e suas minucias vivas.
Portais brilhantes. E tiros nas fachadas.
Relicários de preces silenciosas.
O padre de costas e a missa em italiano.
Criptas e abóbodas.
E a fé que converte ateus.

Pecorinos e trufas.
Taças e massas.
Molhos e óleos.
O tomate em cacho.
Framboesa fresca na rua.
E a fila do sanduíche de tripa.

Jardins, estâncias e cores.
Rosas brancas avançam na pedra.
Papoulas trançam o campo selvagem.
E no horizonte, o sol que se punha cor de rosa.
Da adega, o néctar que manchava as bordas. As bocas. Os sorrisos.

Gargalhadas entre amigos.
Novos ou antigos. Sóbrios ou bêbados.
Em mesa italiana, amizade é para sempre.
E segredos também.
Mas, os pratos são de todos.
"Prove do meu. Você merece".

Dias lentos. Ou rápidos demais.
Tardes embriagadas de carinho.
O cadeado de amor eterno na Ponte Vecchio
Dança nas ruas de Roma. Moedas para o artista.
E o som do acordeão na viela de Siena.

A Itália é dos apaixonados.
Dos curiosos que espiam propriedades privadas.
Dos gulosos que experimentam sabores.
Dos sensíveis à arte que surge a cada degrau.
Dos que se emocionam repentinamente.
Dos otimistas.

A Itália é nostra, amore mio.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

CARA

Giro entre goles de vinho.
Giro e me encanto por Ele.

O deque fica claro ao pés da lua cheia.
A pedra da piscina reflete as estrelas.
Me and Mrs. Jones ecoa no bairro.
O salto alto encrava entre as toras de madeira.
E danço no escuro, descalça.
Pés gelados no inverno fajuto ganham Celsius.

Um olhar intrigante fita no lusco fusco.
Nem o chapéu de panamá, muito menos o Ray Ban, te escondem de mim.
Já interpretei sua tela. Enxerguei seus traços.

Para estranhos, podes parecer sisudo.
Para sortudos, és adorável.

E ali, na frente dos grafiteiros Gêmeos,
Tateando a textura opaca de Bechara,
Nas ondas das tiras de jornal,
Em meio ao pó da obra,
a Arte sopra da alma a poeira da rotina, como diria Picasso.

Me dá de presente, um quadro diferente. Inesperado.
Com a benção da bela escultura da santa.

Na parede, a máscara de boca carnuda me espia. Desafia.
Pede espaço no coração, por hora, lacrado.
O amontoado de chips sobre o verde fluorescente ilumina a esperança.
Remonta minha cidade preferida.

Com delicadeza, a faca do chef corta os cogumelos.
E a frigideira alaranjada evapora o aroma da trufa.
A obra-prima ganha raminho colhido na hora.

Mais vinho. Mais dança Mais arte.
A mesa da sala, suas quinas e curvas, me abriga.

O abraço é longo.
Dura bem mais que "The Dark Side of the Moon".
Pena. O sofá espaçoso vai sair dali...

Na moto, o vento no rosto encoraja.
Passeio que deixa marca no tornozelo.
No fim do jantar, o aperto no braço.

Angra parece eternidade. Parece paraíso. Parece dias num só.
Na estrada escura, Ella Fitzgerald nos acompanha.
Seu silêncio no percurso me faz pensar.

Quem é o "CARA"? O que há comigo?
Ainda não sei dizer...

Por hora,
Giro e me divirto entre goles de vinho.
Giro e me encanto por Ele.