segunda-feira, 6 de junho de 2011

Pêndulo


Olha em frente.
A longa estrada reflete no vidro do carro.
Chove.
O limpador seca o parabrisas.
Pêndulo que varre as gotas.

Vai e vem. Como o nosso amor.

Quando vai, é trovoada de horizonte turvo.
Resta o acostamento de mágoas.
O percurso fica curto. Escorregadio.
E a motorista frea.

Onde está o navegador?

Quando vem, é chão de pétala.
Vento oxigena motores.
Rodas flutuam no asfalto. Dançam.
E a motorista acelera.

Meu norte chegou.

Agora o pêndulo está parado.
O vidro cristalino.
A vista, cheia de sementes.

É verão em meu caminho.

Vamos em frente, Commander.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Bom Dia Rio


Na hora em que o sono pesa.
A cama te abraça. O silêncio embala.
Um alerta em transe interrompe o transe.
São quatro e quinze da manhã.
Levanto enrolada no edredom. Nossa separação tem que ser paulatina.
Saio pelas ruas escuras e vazias.
As primeiras palavras da madrugada fria são "bom dia" para o mendigo na calçada da padaria.

Maquiagem, secador, camisa passada e certo mau-humor.
Doze andares de elevador.
No espelho, as olheiras fartamente disfarçadas.

Enfim o encontro com o estúdio.
Um cenário real no topo do prédio no Jardim Botânico.
Revestido de vidro. Cercado de belezas naturais.
Da vidraça lateral, em primeiro plano, o Corcovado e o Cristo Redentor de banda.

Do vidro central, o brilho da Lagoa Rodrigo de Freitas e montanhas.
O hipódromo da Gávea e tordilhos galopando. À esquerda, o Morro Dois Irmãos escancarado e farto trecho da Floresta da Tijuca.

É entre cartões-postais que celebro meu alvorecer.
A alegria vem mesmo com o Pão de Açúcar.
Por trás dele agora vejo o sol surgir todos os dias.
Um fenômeno ligeiro. Não pode piscar.
O círculo rosado vai rompendo a neblina.
Colorindo as nuvens.
Injetando ânimo à minha prostração.

Sempre gostei dos começos.

Os primeiros raios iluminam meu rosto.
Doam energia.

Bom Dia Rio.
É bom acordar com você.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Heróis ocultos


Fim de tarde. Setembro de 2001.
Cheguei à Linha vermelha as pressas.
Um incêndio embaixo do viaduto da via expressa lambia casas de papelão.
Uma comunidade miserável erguida sob concreto e asfalto.
Famílias corriam para se salvar.
Porcos encoleirados num canto escuro, aos gritos. Ambiente insalubre.
O homem desesperado observa os destroços em chamas e grita pela filha.
Um bombeiro invade o fogo, sem titubear.
Resgata a criança. O que restou dela.
Era um pequeno corpo desfigurado nos braços de um bombeiro inconsolável.

Em maio de 2004, o esgoto tomou conta da principal Avenida da Lagoa, na zona sul. Jorrava de um grande duto rompido. Invadiu carros, parou a região. Chegam técnicos do estado e desligam as bombas. A medida não surte efeito. A cachoeira fétida ainda borbulhava com força.
Um deles, então, põe máscara e roupa especial.
Mergulha no coco, sem titubear.
Contém o vazamento e sai do buraco sorrindo.

No ano seguinte, uma adolescente é encontrada ferida e traumatizada numa calçada em Del Castilho. O pai bêbado é quem batia e violentava a jovem.
Marina, de 16 anos, parecia um bicho acuado na sarjeta. Agredia quem tentasse lhe oferecer ajuda. Surge uma psicóloga que, no primeiro contato, levou uma bofetada no rosto. Depois, teve uma mecha de cabelo arrancada pela jovem ferida. A especialista não desistiu.
Depois de mais de uma hora ajoelhada ao lado de Marina, ganhou um abraço da menina aos prantos.
E a levantou do chão.

Nos primeiros raios de sol do primeiro dia de 2006, minha equipe estava a postos em Copacabana. A festa do Reveillon tinha acabado. A pista da orla coberta de latas e garrafas. Quilômetros de sujeira no horizonte da princesinha do mar.
Surgem homens de laranja e suas vassouras.

Pergunto a um deles:

_ Por onde vocês pretendem começar?

_ Nós não pensamos em começar. Temos é que acabar a limpeza. E logo.

_Feliz Ano Novo pro senhor._ disse eu.

_ Para você também. Boa reportagem.


Homenagem aos personagens cariocas que, assim como nós jornalistas, são sinônimo de resiliência.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A Fada do Mercadão


Mulheres suspirando. Adolescentes sonhando acordadas.
E o ar do planeta carregado de amor.
Paramos em frente à TV, naquela sexta-feira de abril, não para ver os desdobramentos da guerra ou mais uma tragédia natural.
Queríamos o beijo, não a bomba.

Um casamento real com pinceladas de "Era uma vez...".
Todos os personagens ali:
A princesa plebeia, o noivo fardado, a madrasta má e até as irmãs, ou primas, mocreias.
Não há imaginação curta que não estique.

_Eu também quero me casar com um príncipe_ diziam moças cariocas diante das imagens.

Aquele dia, no Mercadão de Madureira, eu não fui princesa.
Fui fada. Fada madrinha.

Estava em um dos mais tradicionais mercados populares do Rio com uma missão: mostrar a busca por cópias de acessórios usados pela princesa Kate.
O anel de noivado, que havia sido de Diana e agora brilhava no anelar de Lady Middleton, era artigo quase esgotado na versão made in China.

Minutos antes da entrada ao vivo no RJTV, procurei pelos corredores do centro comercial uma jovem para entrevistar.
Queria que uma das tantas cariocas encantadas com o casório, declarasse seus anseios no telejornal.

Envergonhadas, elas não se dispuseram a dar entrevista.

De repente, surge uma mulher de uns quarenta anos.
Com tiara de tule na cabeça e bom humor, se apresentou como candidata a princesa. Elisa trabalha como vendedora de plantas em um quiosque do Mercado.
Achei inusitado.

Primeiro fiz perguntas para a gerente da loja de bijuterias.
O estabelecimento estava faturando alto com o casamento real. Vendera, em horas, dezenas de anéis de "safira" por módicos quatro reais.

Depois, apontei o microfone para Elisa:

_ Você já garantiu seu acessório "real", não é isso? _ indaguei ao vivo.

_ Sim, Mariana. Estou pronta pra ser princesa.

_ Só falta o princípe? _ remendei.

_ Pois é... Alô, príncipe Harry! Eu estou aqui! _ disse ela, olhando para a câmera sem pudor.

_Quem sabe o irmão do príncipe William não te dá uma chance? _ completou Ana Paula Araújo, do estúdio.

Rimos demais.
Quando nossa equipe já estava indo embora, Elisa se aproximou com um imenso vaso nos braços. Era uma orquídea roxa belíssima.

A vendedora, com sorriso iluminado, me deu a flor em agradecimento:

_ Sou apaixonada por um cara há tempos. Ele nunca me levou a sério.
Depois que me viu na televisão, agora a pouco, ligou para mim cheio de declarações bonitas. Estou até emocionada. Obrigada, minha fada.

Gerson queria ser o príncipe de Elisa.

Que sejam felizes para sempre...

Sim Salabim.

domingo, 17 de abril de 2011

JN


Oito em ponto e a vinheta inconfundível ecoava entre os prédios.
Boa noite, Cid Moreira.
Era o único momento em que meu pai ignorava solenemente as filhas.

O dólar sobe, a bolsa cai, o ator morre, o caminhão tomba e o tempo fecha.

Em uma hora, Carlos Fernando e outros milhões de brasileiros se interavam do dia. Das últimas vinte e quatro horas de acontecimentos no Brasil e no Mundo.
Audiência total.

A deferência concedida ao telejornal lá em casa, marcou minha infância.

Na primeira vez que entrei na emissora, ainda em teste para repórter, descobri que a redação era o cenário do Jornal Nacional. Naquele dia, avisei ao meu pai por telefone que estava sentada em uma das mesas ao fundo dos apresentadores. Virei assumidamente uma "papagaia de pirata", tamanho o frisson.

Na semana em que fui contratada, cruzei com Fatima Bernardes no corredor.
Ela sorriu para a estranha.

Passei a aparecer todos os dias na TV em incansáveis reportagens para o RJTV. Como faço até hoje. Mesmo assim, vez por outra, ouvia perguntas da família, ainda insatisfeita:

_Quando vamos te ver no JN?

É o mesma situação do casal que acabou de sair da igreja e já é bombardeado com a cobrança:

_Quando vêm os filhos?

Meu filho demorou para nascer em rede nacional.
Precisava amadurecer. Mostrar serviço.

Inúmeras vezes, entrevistas feitas por mim para o jornal local foram usadas em rede. Ficava orgulhosa só de ver minha mãozinha segurando o microfone nas matérias da Beatriz Thielmann.

Minha hora tardou, mas, chegou. De surpresa.
Seguia para registrar uma árvore que caíra em cima de uma escola na Barra da Tijuca. Quando nossa equipe passava pelo Túnel Zuzu Angel, começou o tiroteio em São Conrado. Ficamos presos na galeria, no escuro.
Motoristas em pânico e nós gravando. Tudo.

Cheguei com o material exclusivo na emissora.
Não assinei a reportagem naquele dia. Tinha pouco tempo de casa. Apareci apenas narrando o drama dentro da reportagem do colega.

Um feto em formação...

Anos depois, apurando as causas de um tiro que atingiu uma menina na Avenida Brasil, recebi o telefonema:

_Mariana, o Jornal Nacional também vai querer uma reportagem sobre esse caso_ disse Carlos Jardim, chefe de redação dos jornais de rede.

_ Tudo bem. Quem é o repórter que vem? _ perguntei.

_ Não vai ninguém. Você vai fechar para o JN.

Achei que era brincadeira.
Decidi então não espalhar a notícia. Só liguei para um amigo de confiança em busca de apoio. Não quis criar expectativa em casa.
Vai que desistem da matéria?

Naquela terça-feira de maio de 2010, fiz minha estréia no Jornal mais famoso do país. Enquanto assistia à matéria, lembrei da menininha que olhava de soslaio as manchetes de Chapelin. Lembrei da estudante espevitada. Da estagiária atrapalhada.

Embalada pelo sonho de criança, até hoje sinto certo arrepio quando participo do JN. Pode parecer bobagem para uma repórter já com alguma experiência... Mas, não é não.

Meu filho nasceu.

Sabe de uma coisa?
Quero uma prole.

terça-feira, 12 de abril de 2011

REALENGO


Era preciso reportar.
Entender e fazer entender.
Mas como?

Eles não vinham da favela em guerra.
Não vinham da laje da pipa.
Muito menos de uma festa regada.

Chegavam feridos do colégio.
Vinham de uma aula de horror.

O jovem uniformizado retirado da ambulância.
Mãos trêmulas. Olhos arregalados.
Em sangue. Em choque.
O tubo lhe dava o ar.

A menina chega perfurada pelo dantesco.
Cabeça aberta à bala. Futuro interrompido a tiro.
Morreu na porta do hospital.

Mais alunos iam chegando ao som incessante das sirenes.
Mais mortes eram confirmadas ao som de gritos de pavor na emergência.

Médicos na rua em prantos.
E nós, repórteres, engolindo em seco.

Seu Jair entrou no carro amparado.
Levava na mão a fotografia de uma jovem linda.

_Essa é minha sobrinha. Esse sorriso foi embora.

Uma senhora ofegante chega perto:

_Deixei meu neto na escola. Ele não está mais lá.
Veio pra cá?

_ Acredito que sim, minha senhora.

Ela tomba em silêncio na calçada.
E eu, caio junto. De tristeza.

Era preciso reportar.
Entender e fazer entender.
Mas como?

quinta-feira, 31 de março de 2011

ABRIL

 Olivia e eu aos 6 anos
Na véspera de completar 6 anos, fui derrotada pela ansiedade.
Fiz xixi na cama sonhando. Estávamos em Angra dos Reis naquela Páscoa.
Acordei a mamãe envergonhada. Ela tratou de recolher o lençol, ainda de madrugada.
Saímos num passeio de barco. Na volta, lá estava o colchão manchado de urina tomando sol na entrada. Não teve jeito. Virei chacota da turminha.
Nem bolo, quis comer.

Aos 7, comemorei a data na festinha de uma amiga. O mágico me convocou para a apresentação. Fiquei dentro de um caixote por alguns minutos.
O "senhor dos sortilégios" fazia suas firulas.
Eu, experimentava a claustrofobia.
Estraguei o truque aos prantos. Uma cena hilária.

No aniversário de 9 anos, teve discoteca na sala de casa.
Mamãe tirou todos os móveis. Arranjou um cercado de madeira que delimitava a pista.
Usei bota de borracha branca com franjas da Melissa e minissaia de camurça azul.
Modelito aberração teen da época. Abri a série do Karaoquê interminável, sem medo de ser feliz.
No microfone, um desafinado "Diz pra eu ficar muda, faz cara de mistério..." do Kid Abelha.
Aniversariante pode tudo.

Aos 13, ganhei festa surpresa no Gattopardo. Pizzaria point da cidade.
Chorei e tudo com a surpresa. Lembro que meu pai se incomodou com "Bichos escrotos" aos berros no salão.
Tinha palavrão na letra dos Titãs...
No dia seguinte, desfilei no colégio a mochila nova da Company.
Objeto de desejo de toda gatinha carioca.

Não quis festa tradicional aos 15 anos. Preferi uma bagunça com amiga ainda mais animada que eu.
O pai da Maria morava numa casa enorme no Joá. Quase botamos a mansão abaixo.
Perdemos a lista de convidados e o controle. De repente, mais de trezentas pessoas sacudiam no deque de madeira. E, acreditem: o DJ mais famoso da época era Indio da Costa. Ele mesmo.
O vice de Serra nas últimas eleições. Ficamos desacreditadas pela família depois do estrago.
Que foi divertido, foi.

No apartamento da mamãe, foram várias reuniões nos aniversários seguintes.
Sempre com duas cópias da lista seleta e segurança na porta.
Banheiros entupiram, copos quebraram, sofás mancharam.

_Sem conserto. _disse a faxineira, chocada no fim de um dos agitos.

Casais, que ainda existem, se formaram sob o teto daquele apê.
Amor verdadeiro vale mais que a "perda total" dos tapetes.

Depois de mais de 30 comemorações, me pergunto:
Se não soubesse quantos anos tenho, quantos anos eu me daria?

Talvez 6, pela ansiedade que, vez por outra, me invade.
Talvez 7, pela claustrofobia que, vez por outra, me aflige.
Também pode ser 15, pela ousadia adolescente que só aumenta,
Ou até 50, pelas responsabilidades, que vez por outra, assumo.

Não importa.

Depois de três décadas, ficamos experientes em datas festivas.
Aniversário ganha sabor diferente.
Sabor ainda mais gostoso.

Vamos dançar até de manhã?