terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
Cães e Escombros
Três construções ruíram no Centro.
Vigas não quebraram.
Não racharam.
Se desmancharam em pó fino.
Em segundos.
Um amontoado estranho na esquina do Teatro Municipal.
Montanha de poeira incandescente em frente à Cinelândia.
Fumaça, ora negra, ora branca, ventava por fendas soterradas.
Cabos de energia em curto. Bujões de gás. Papéis chamuscados.
E o trabalho de uma vida inteira irreconhecível.
Nenhum sinal de sobreviventes .
Em meio à angústia das famílias,
ao olhar estarrecido dos vizinhos,
ao suor dos bombeiros,
à apuração dos repórteres mascarados,
Dois garimpeiros sem pá.
Chegaram de caminhão.
A priore, ficaram longe, amarrados,
Se distraindo com uma bolinha de borracha.
Era preciso aguardar o descanso das escavadeiras.
No intervalo, seguiram para o entulho.
Uma busca precisa. Silenciosa. Limpa.
Os dois percorrem a área rapidamente.
Obstáculos perigosos são vencidos aos pulos.
Com rabinho abanando.
_Vai lá, Boris! Cadê? Cadê?_ instiga o treinador.
O trote pelo cenário da tragédia é interrompido de repente.
Boris pára e retorna ao trecho já checado pelo focinho.
Testa mais uma vez o mesmo ponto. E segue o passeio.
Segundos depois, arrasta a pata dianteira sobre outra laje.
Late e salta.
A brincadeira do labrador achara um homem.
Um morador de rua já sem vida.
Enterrado antes de morrer.
Enquanto as equipes retiravam terra para resgatar o corpo, parentes choravam e a imprensa se pasmava com o estado daquele pobre senhor.
O cão seguia latindo.
Talvez ansioso para seguir na brincadeira.
Boris encontrou outros três corpos naquela tarde.
No fim do dia, ganhou biscoito, pote com água fresca e afago da mãe de um dos jovens encontrados .
_Graças a esse cachorro, meu coração se acalmou. _ disse Dona Yaçanã.
O filho dela não estava vivo.
_Agora, ao menos, ele terá enterro digno. Era um bom homem. Não merecia terminar aqui.
Será meu último carinho de mãe._
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
BANCADA
Na carreira que escolhi, promoções são públicas.
Estreias, encaradas ao vivo.
Desafios, via satélite.
Era sábado. Era cedo.
Segui para a emissora com jornais, aindas quentes, embaixo do braço.
A chuva no Norte, as obras da cidade, os ensaios de Carnaval.
Tudo na ponta da língua, na vista, entranhado na massa cinzenta.
No camarim, Ronald, o maquiador, animado ao som de funk.
Olhos concentrados iam se colorindo de sombra e rímel.
Entre pinceladas, um filme dos últimos anos:
Da jovem comunicativa escolhendo a profissão, da estagiária do rádio, da intrépida repórter de tv.
Lembrei do carpete da casa do meu pai.
Eu me sentava no chão para ver o RJTV, logo depois da série de desenho animado.
A TV, grande e larga, tinha antena escorada na estante lateral e botões giratórios de volume.
Enquanto vestia as barbies, ouvia, caladinha, as notícias na voz de Fatima Bernardes, Leilane Neubarth, Marcos Hummel...
Não podia interromper Carlos Fernando, interessado nas manchetes do dia.
Anos depois, quem diria, naquele mesmo apartamento,
o silêncio viria com meu "boa tarde".
E o estúdio seria meu carpete.
Não vesti bonecas. Vesti-me de apresentadora.
Já pronta, olhei o espelho que já refletiu tantos ídolos.
Encarnei a nova personagem.
Jorge Fernando, o diretor de TV, era o entrevistado do dia.
No elevador, ele soube que seria minha primeira vez.
Me recomendou sacudir as mãos até deixá-las dormentes.
Uma espécie de catarse que libera e busca energia no ar.
Foram 12 andares quebrando a munheca.
No alto do prédio, um estúdio de cenário acolhedor.
A vista deslumbrante da cidade onde nasci.
Os pontos turísticos abençoando.
E a bancada, me esperando.
Jornal no ar. Coração em compassos diferentes.
Meu foco fechado em cada bloco. Até nos intervalos.
Por um momento, senti certo orgulho de mim.
Orgulho pela conquista da confiança.
Minha e dos outros.
Estava lá a carioca apaixonada, cheia de microfone.
Cheia de voz. Sozinha.
Noticiando as mazelas do Estado.
Cobrando atitudes das autoridades.
Celebrando também a alegria de morar aqui.
É por isso que fiz jornalismo.
Na carreira que escolhi, os desafios são via satélite.
Que sejam...
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Dedico o texto a Carlos Fernando Gross (meu pai)
Cecília Mendes (editora-chefe do RJTV) e
Bernardo Jablonski (meu eterno professor de teatro).
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
A Alegria Pode Ser Simples
Não havia grãos desocupados.
A chuva caía sem dó. Sem intervalo para evaporar.
Penteados, tecidos caros, perfumes...
Desmanchavam na areia.
Diluíam na correnteza.
Como oferendas para Iemanjá.
Eram milhões.
Ensopados. Mas, de verdade.
Revelando no rosto, de maquiagem derretida,
a marca do tempo.
Que ia passar, mais uma vez, em breve.
Que tinha que mudar para melhor dali pra frente.
Se o minuto fosse efêmero para os pedidos,
A prece poliglota se apressava.
Um sussurro universal na praia famosa.
Em inglês, o americano rezava por saúde.
Em francês, o belga gritava por dinheiro.
E em bom português, o brasileiro evocava a paz ao som de atabaques.
Cada qual com seu Deus, seu Orixá, seu Messias.
Crenças ecoavam sem fronteiras.
Sem trauma, sem passado.
Em Copacabana, a fé é ecumênica.
Qualquer religião tem o mar como testemunha.
No altar improvisado do Candomblé, a vela apagou.
O isqueiro do judeu deu luz à chama a tempo do ritual.
A emoção da carola contida com o lenço do angolano.
A dança de umbanda sacudia os gringos.
Afeto livre, a céu aberto.
O jovem gay abraçou o namorado a meia noite.
A adolescente teve a primeira bitoca roubada.
O casal de idosos festejou mais um ano de amor com beijo comovente.
A criança chorou com o barulho dos fogos.
E críticos picharam a pirotecnia a cada explosão.
Mais chuva, pés enrugados, banheiros afastados, multidão, cerveja cara, sapatos perdidos.
E a felicidade ali. Escancarada.
A repórter passou o Reveillon trabalhando.
Viveu a virada observando.
Tentando entender o motivo do entusiasmo.
Molhada com a água que escorria do céu.
Meu ano chega com esperança.
Com descobertas. Com alma lavada.
Desapegada.
Sim.
A Alegria pode ser simples.
A chuva caía sem dó. Sem intervalo para evaporar.
Penteados, tecidos caros, perfumes...
Desmanchavam na areia.
Diluíam na correnteza.
Como oferendas para Iemanjá.
Eram milhões.
Ensopados. Mas, de verdade.
Revelando no rosto, de maquiagem derretida,
a marca do tempo.
Que ia passar, mais uma vez, em breve.
Que tinha que mudar para melhor dali pra frente.
Se o minuto fosse efêmero para os pedidos,
A prece poliglota se apressava.
Um sussurro universal na praia famosa.
Em inglês, o americano rezava por saúde.
Em francês, o belga gritava por dinheiro.
E em bom português, o brasileiro evocava a paz ao som de atabaques.
Cada qual com seu Deus, seu Orixá, seu Messias.
Crenças ecoavam sem fronteiras.
Sem trauma, sem passado.
Em Copacabana, a fé é ecumênica.
Qualquer religião tem o mar como testemunha.
No altar improvisado do Candomblé, a vela apagou.
O isqueiro do judeu deu luz à chama a tempo do ritual.
A emoção da carola contida com o lenço do angolano.
A dança de umbanda sacudia os gringos.
Afeto livre, a céu aberto.
O jovem gay abraçou o namorado a meia noite.
A adolescente teve a primeira bitoca roubada.
O casal de idosos festejou mais um ano de amor com beijo comovente.
A criança chorou com o barulho dos fogos.
E críticos picharam a pirotecnia a cada explosão.
Mais chuva, pés enrugados, banheiros afastados, multidão, cerveja cara, sapatos perdidos.
E a felicidade ali. Escancarada.
A repórter passou o Reveillon trabalhando.
Viveu a virada observando.
Tentando entender o motivo do entusiasmo.
Molhada com a água que escorria do céu.
Meu ano chega com esperança.
Com descobertas. Com alma lavada.
Desapegada.
Sim.
A Alegria pode ser simples.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
O QUE SEI ATÉ AGORA
Sei de mim. Ah! Como sei.
Tenho medo de avião. De barata. De injeção na veia. De galinha.
Não sei trocar lâmpada. Dirijo bem, mas, não gosto de estacionar.
Faço um feijão gostoso.
Adoro amigos em casa.
Evito locais subterrâneos.
Sou louca por jasmim.
Aprecio um cangote perfumado. Sem exageros.
Um banho fervendo. Água de alfazema, camisola velha e travesseiro baixo.
Espuma do sabonete. Spray de chantily. Roupa de linho. Nó de lenço. Óculos escuros. Meia felpuda. Lareira. Blush rosado e rímel. Muito rímel.
Detesto o som incoveniente: Da moto barulhenta. Da mulher infeliz. De quem fala gritando.
Do vizinho vascaíno. Do alto- falante do ferro-velho que me acorda aos sábados.
Fujo dos grudentos. Dos carentes. Das cobranças.
Das maledicências.
Gosto de gente boa. Boa gente. Gente doida.
De excentricidades. De gratidão. De tiradas rápidas.
Do afago de estranhos. De bobagem.
De rir sem controle em horas impróprias.
Da memória seletiva. Que guarda o que é bom.
Em detalhes.
Vivo de saudade. Do que vivi. Do que ainda não vi.
E rio com histórias bem contadas.
Rio de mim. Sempre.
Celebro a descoberta de virtudes. O humor desmedido.
A amizade incondicional. Antiga ou nova.
O pêssego maduro. A cama bem feita. O nascer do sol.
O almoço com meu pai aos domingos.
A comida feita por minha mãe.
Uma taça de vinho tinto e Madeleine nos ouvidos.
Em casa. Sozinha.
Torço por todos. Por tudo. Pelo otimismo sem motivo.
Não peço nada a ninguém. Só às vezes.
Tenho mau humor de manhã. Fome à tarde.
Pés, irremediavelmente, gelados o dia todo.
Sinto remorso pela planta que esqueci de molhar.
Por ter abandonado, mais uma vez, a academia.
Por não ter abraçado minha avó no almoço.
Por não estar mais tempo com meus sobrinhos.
Por não ter dito para o cara o que sentia naquela noite.
E tenho inveja, claro. Todos temos.
Lido bem com críticas. Com os enganos da minha intuição. Com meus cabelos brancos, mas, detesto as olheiras.
Detesto, muitas vezes também, meu jeito inquieto. Minha correria.
A desatenção nata que esquece o celular na geladeira.
Sou de poucas coisas. Poucas marcas. Poucos sonhos.
Quero mais é boiar em Búzios. Mergulhar em Ipanema. Sambar na laje. Cantar no chuveiro.
Fazer boas coberturas jornalísticas.
E, quem sabe, ter filhos.
Estou em dúvida sobre o discurso que farei, daqui a pouco, no casamento da melhor amiga.
Não sei se um dia escreverei um livro, mas, devo plantar uma árvore esta semana.
Não sei se troco meu sofá.
Se vou ao show do Sting nas férias.
Muito menos se casarei com o aquele que deve ser o amor da minha vida.
Não sei dizer. Não sei de nada.
Só sei de mim.
Ah! Como sei...
Por hora, já é suficiente.
Tenho medo de avião. De barata. De injeção na veia. De galinha.
Não sei trocar lâmpada. Dirijo bem, mas, não gosto de estacionar.
Faço um feijão gostoso.
Adoro amigos em casa.
Evito locais subterrâneos.
Sou louca por jasmim.
Aprecio um cangote perfumado. Sem exageros.
Um banho fervendo. Água de alfazema, camisola velha e travesseiro baixo.
Espuma do sabonete. Spray de chantily. Roupa de linho. Nó de lenço. Óculos escuros. Meia felpuda. Lareira. Blush rosado e rímel. Muito rímel.
Detesto o som incoveniente: Da moto barulhenta. Da mulher infeliz. De quem fala gritando.
Do vizinho vascaíno. Do alto- falante do ferro-velho que me acorda aos sábados.
Fujo dos grudentos. Dos carentes. Das cobranças.
Das maledicências.
Gosto de gente boa. Boa gente. Gente doida.
De excentricidades. De gratidão. De tiradas rápidas.
Do afago de estranhos. De bobagem.
De rir sem controle em horas impróprias.
Da memória seletiva. Que guarda o que é bom.
Em detalhes.
Vivo de saudade. Do que vivi. Do que ainda não vi.
E rio com histórias bem contadas.
Rio de mim. Sempre.
Celebro a descoberta de virtudes. O humor desmedido.
A amizade incondicional. Antiga ou nova.
O pêssego maduro. A cama bem feita. O nascer do sol.
O almoço com meu pai aos domingos.
A comida feita por minha mãe.
Uma taça de vinho tinto e Madeleine nos ouvidos.
Em casa. Sozinha.
Torço por todos. Por tudo. Pelo otimismo sem motivo.
Não peço nada a ninguém. Só às vezes.
Tenho mau humor de manhã. Fome à tarde.
Pés, irremediavelmente, gelados o dia todo.
Sinto remorso pela planta que esqueci de molhar.
Por ter abandonado, mais uma vez, a academia.
Por não ter abraçado minha avó no almoço.
Por não estar mais tempo com meus sobrinhos.
Por não ter dito para o cara o que sentia naquela noite.
E tenho inveja, claro. Todos temos.
Lido bem com críticas. Com os enganos da minha intuição. Com meus cabelos brancos, mas, detesto as olheiras.
Detesto, muitas vezes também, meu jeito inquieto. Minha correria.
A desatenção nata que esquece o celular na geladeira.
Sou de poucas coisas. Poucas marcas. Poucos sonhos.
Quero mais é boiar em Búzios. Mergulhar em Ipanema. Sambar na laje. Cantar no chuveiro.
Fazer boas coberturas jornalísticas.
E, quem sabe, ter filhos.
Estou em dúvida sobre o discurso que farei, daqui a pouco, no casamento da melhor amiga.
Não sei se um dia escreverei um livro, mas, devo plantar uma árvore esta semana.
Não sei se troco meu sofá.
Se vou ao show do Sting nas férias.
Muito menos se casarei com o aquele que deve ser o amor da minha vida.
Não sei dizer. Não sei de nada.
Só sei de mim.
Ah! Como sei...
Por hora, já é suficiente.
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Incondicional
Joana, de onze anos veio de Roraima.
Francielle, de dezoito, do Amapá.
A família de Morgana era do Rio mesmo.
Mas veio toda.
Doze parentes.
Calçada da Rua das Oficinas, Engenho de Dentro, ala Norte do Estádio João Havelange.
O endereço deles e de mais dezenas de pessoas durante cinco dias.
Um acampamento de obsessão.
O alvo de toda a energia despendida é um jovem, muito jovem, cantor em ascensão.
Você que lê este texto já sabe quem é.
Até meu pai conheceu, depois da passagem avassaladora de Bieber pelo Brasil.
E pelos jornais.
Sem banheiro, sem colchão, sem sombra. Resistiram ali até a abertura dos portões.
E tinham forças para cantar quando apontava o microfone.
Correr quando passava um helicóptero.
Chorar quando chegava uma van.
Em três dias de cobertura, aprendi as músicas, decorei o nome do cão, descobri a comida preferida e até a cor predileta do cantor. Mais do que isso:
Vi do que é capaz um fenômeno das massas.
Na minha adolescência, gostava do A-HA e, principalmente, do vocalista do grupo.
Tinha um pôster na porta do quarto. Os discos, como trofeus, na mesa de cabeceira.
As letras na ponta da língua. Só.
Não era como as meninas da porta do Engenhão. Não era mesmo.
Elas são mais. Querem mais. Sonham mais.
E têm o apoio dos pais.
Ou dos maridos.
Encontrei um senhor sentado na cadeirinha de praia no meio da fila. Exausto.
Na TV, ao vivo, me disse que guardava o lugar para a esposa.
Maria Vanúbia o convencera a ficar ao sol, ao relento, para ver o menino de perto. E ele foi.
Estava bêbado de Bieber.
Só com muita cachaça mesmo.
Morgana gastou as economias para levar as duas filhas.
Torrou os níqueis e as forças.
Na hora do show, dormiu encostada na viga do palco.
As filhas mal ouviram as músicas. Só gritaram.
E saíram felizes da catarse.
Eu mesma fui seguida, durante horas, por três meninas que cismaram com uma ideia maluca.
O trio acreditava que eu iria estar com o astro. Que fora ali para entrevistá-lo.
_ Se você entrar no Engenhão, não entrará sozinha. Nós vamos com você. Não tem jeito._ ameaçaram.
Desiludidas, acabaram tirando uma foto comigo mesmo.
Do alto de meu pragmatismo, invejo esse olhar incondicional pelo desconhecido.
Invejo a dedicação desaforada pelo inalcansável.
A loucura juvenil que dispara corações.
Essa força estranha só tenho mesmo é pela vida.
E, mesmo assim, por vezes, com certa preguiça.
_E Bieber? Cantou mesmo?_ perguntei na saída.
_ Não importa!_ disseram as fãs, em couro.
Entendi, meninas. Entendi.
Francielle, de dezoito, do Amapá.
A família de Morgana era do Rio mesmo.
Mas veio toda.
Doze parentes.
Calçada da Rua das Oficinas, Engenho de Dentro, ala Norte do Estádio João Havelange.
O endereço deles e de mais dezenas de pessoas durante cinco dias.
Um acampamento de obsessão.
O alvo de toda a energia despendida é um jovem, muito jovem, cantor em ascensão.
Você que lê este texto já sabe quem é.
Até meu pai conheceu, depois da passagem avassaladora de Bieber pelo Brasil.
E pelos jornais.
Sem banheiro, sem colchão, sem sombra. Resistiram ali até a abertura dos portões.
E tinham forças para cantar quando apontava o microfone.
Correr quando passava um helicóptero.
Chorar quando chegava uma van.
Em três dias de cobertura, aprendi as músicas, decorei o nome do cão, descobri a comida preferida e até a cor predileta do cantor. Mais do que isso:
Vi do que é capaz um fenômeno das massas.
Na minha adolescência, gostava do A-HA e, principalmente, do vocalista do grupo.
Tinha um pôster na porta do quarto. Os discos, como trofeus, na mesa de cabeceira.
As letras na ponta da língua. Só.
Não era como as meninas da porta do Engenhão. Não era mesmo.
Elas são mais. Querem mais. Sonham mais.
E têm o apoio dos pais.
Ou dos maridos.
Encontrei um senhor sentado na cadeirinha de praia no meio da fila. Exausto.
Na TV, ao vivo, me disse que guardava o lugar para a esposa.
Maria Vanúbia o convencera a ficar ao sol, ao relento, para ver o menino de perto. E ele foi.
Estava bêbado de Bieber.
Só com muita cachaça mesmo.
Morgana gastou as economias para levar as duas filhas.
Torrou os níqueis e as forças.
Na hora do show, dormiu encostada na viga do palco.
As filhas mal ouviram as músicas. Só gritaram.
E saíram felizes da catarse.
Eu mesma fui seguida, durante horas, por três meninas que cismaram com uma ideia maluca.
O trio acreditava que eu iria estar com o astro. Que fora ali para entrevistá-lo.
_ Se você entrar no Engenhão, não entrará sozinha. Nós vamos com você. Não tem jeito._ ameaçaram.
Desiludidas, acabaram tirando uma foto comigo mesmo.
Do alto de meu pragmatismo, invejo esse olhar incondicional pelo desconhecido.
Invejo a dedicação desaforada pelo inalcansável.
A loucura juvenil que dispara corações.
Essa força estranha só tenho mesmo é pela vida.
E, mesmo assim, por vezes, com certa preguiça.
_E Bieber? Cantou mesmo?_ perguntei na saída.
_ Não importa!_ disseram as fãs, em couro.
Entendi, meninas. Entendi.
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Salgueiro
Tiros anunciavam o alvorecer no Salgueiro.
O Morro da Tijuca, do samba, do bamba.. Em guerra.
Era o segundo dia de 2001.
Traficantes rivais disputavam território.
Famílias e repórteres em madrugada encurralada.
Barracos e bares fechados.
Então repórter da Rádio CBN, me encolhi na soleira de um sobrado.
Balas triscavam a fuça, como varejeiras na orelha do boi.
Três horas ao som dos disparos.
Os fuzis se calam.
Moradores também.
Saio da trincheira.
Desço a ladeira apressada.
Tão íngreme quanto a parede, crivada de balas.
Zumbido constante no ouvido.
Trauma eterno na memória.
E mais uma reportagem violenta para narrar.
Passei aquela semana falando sobre o caso.
Comigo mesma.
Decidi não contar em casa o que vivi.
Eles não entenderiam.
Também não me atrevi a subir o Salgueiro novamente.
Na saída, fiz juramento no pé do Morro.
No último sábado, quebrei a promessa.
Dez anos depois.
A reportagem era sobre uma festa. Um ano de ocupação policial.
Na subida, a cada curva, a pincelada de um retrato.
A imagem de mim mesma refeita na lembrança.
Enxerguei a iniciante assustada, à perfeição.
Em cada esquina.
Até o cheiro de pólvora ventou do passado.
Encontrei a favela receptiva.
Com bandeirinhas e crianças empurrando ladeira acima.
Com Zico em campo na pelada com os moleques.
A menininha no banho de mangueira no quintal.
O aroma do feijão no fogo.
Pontos de observação do tráfico eram lajes.
Apenas lajes.
E roupas penduradas com esmero por Dona Áurea, quarenta anos de Salgueiro.
Debruçada no tanque, profetizou:
_Nasci e vou morrer aqui. Não largo o Morro por nada.
E desta vez, o som do Salgueiro foi diferente.
Foi canção de Herivelto:
"Tem alvorada, Tem passarada
Ao alvorecer,
Sinfonia de pardais
Anunciando o anoitecer
Alvorada lá no morro que beleza"
Volto já, Salgueiro. Volto já.
O Morro da Tijuca, do samba, do bamba.. Em guerra.
Era o segundo dia de 2001.
Traficantes rivais disputavam território.
Famílias e repórteres em madrugada encurralada.
Barracos e bares fechados.
Então repórter da Rádio CBN, me encolhi na soleira de um sobrado.
Balas triscavam a fuça, como varejeiras na orelha do boi.
Três horas ao som dos disparos.
Os fuzis se calam.
Moradores também.
Saio da trincheira.
Desço a ladeira apressada.
Tão íngreme quanto a parede, crivada de balas.
Zumbido constante no ouvido.
Trauma eterno na memória.
E mais uma reportagem violenta para narrar.
Passei aquela semana falando sobre o caso.
Comigo mesma.
Decidi não contar em casa o que vivi.
Eles não entenderiam.
Também não me atrevi a subir o Salgueiro novamente.
Na saída, fiz juramento no pé do Morro.
No último sábado, quebrei a promessa.
Dez anos depois.
A reportagem era sobre uma festa. Um ano de ocupação policial.
Na subida, a cada curva, a pincelada de um retrato.
A imagem de mim mesma refeita na lembrança.
Enxerguei a iniciante assustada, à perfeição.
Em cada esquina.
Até o cheiro de pólvora ventou do passado.
Encontrei a favela receptiva.
Com bandeirinhas e crianças empurrando ladeira acima.
Com Zico em campo na pelada com os moleques.
A menininha no banho de mangueira no quintal.
O aroma do feijão no fogo.
Pontos de observação do tráfico eram lajes.
Apenas lajes.
E roupas penduradas com esmero por Dona Áurea, quarenta anos de Salgueiro.
Debruçada no tanque, profetizou:
_Nasci e vou morrer aqui. Não largo o Morro por nada.
E desta vez, o som do Salgueiro foi diferente.
Foi canção de Herivelto:
"Tem alvorada, Tem passarada
Ao alvorecer,
Sinfonia de pardais
Anunciando o anoitecer
Alvorada lá no morro que beleza"
Volto já, Salgueiro. Volto já.
terça-feira, 30 de agosto de 2011
DE REPENTE
É lindo o futuro que chega.
De repente.
Rápido como chama da vela de aniversário.
Um sopro que sela o tempo aos aplausos.
E eu, bato palmas para a vida.
Que cresce no ventre de Antonia.
Que engatinha na sala de Roberta.
Que desliza no calçadão para Olivia.
Dança no colo de Ana Luiza.
De repente.
Minha cidade prepara o amanhã.
Rio caótico que se vai aos poucos.
Em contagem regressiva.
Bendito o futuro que chega.
De repente.
Minha amiga Mariana planeja o para sempre.
A noiva enxerga adiante.
Em contagem regressiva.
Promissor futuro que chega.
De repente.
Tolice imaginar o que virá.
Bom mesmo é ver chegar.
De perto.
Meu amanhã é florido.
Como o bougainville carregado da varanda.
Não conto mais os dias.
Vejo vindo.
É lindo o futuro que chega.
De repente.
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