quarta-feira, 8 de junho de 2011
Ônibus 174
Era uma professora de artesanato.
Voltava de mais um dia de aula na Favela da Rocinha.
Tinha minha idade.
Geísa pegou o ônibus naquele dia dos namorados de 2000.
O percurso foi interrompido a poucos metros da minha casa.
Na época, ainda morava com minha mãe.
Foi naquela esquina que nossas vidas se cruzaram.
Mas só uma seguiu em frente.
Eu, recém-formada, já repórter da Rádio CBN, ia para uma reportagem sobre aumento do preço do material escolar.
Escolhi a papelaria do português perto de casa.
Meu percurso também foi interrompido.
Havia um assalto com reféns em andamento no Jardim Botânico.
A área ainda não estava cercada.
Me aproximei do ônibus da linha 174.
Surge a professora na janela.
Um olhar inesquecível.
Seco, arregalado.
_Sai daqui repórter. Avisa aí que eu vou matar todo mundo._ disse Sandro, o sequestrador.
Seguiu-se uma cobertura de seis horas.
Policiais bloqueando ruas, moradores fechando janelas, atiradores posicionados e um país unido pela agonia.
Geísa foi o escudo mais usado por Sandro.
Quando o bandido a soltava, ela olhava para mim.
Um rosto sem esperança.
Parecia saber que, naquele dia, não voltaria mais para casa.
_Eu vou morrer. Sei que vou._ repetia
Em um momento, gritei de volta:
_Fique calma! Já vai acabar!
Fui repreendida pelos policiais que pediram para que eu não respondesse.
Meus gritos poderiam atrapalhar ainda mais as negociações.
A audiência na rádio bateu recordes.
Até a tradicional "Hora do Brasil" foi suspensa.
Minha avó me viu na TV:
_Minha neta, afaste-se desse ônibus. Tá muito perigoso isso. Pode sobrar para você.
Sentia cãibra nas mãos. Foram intermináveis entradas ao vivo ao celular também para a Rádio Globo.
Uma narração dificílima. Descritiva. Tensa.
Prova de fogo para uma iniciante.
Tinha vontade de chorar.
De fechar os olhos quando Sandro ameaçava "explodir a cabeça" dos reféns.
Por várias vezes, entrei no ar com a voz embargada.
_Mariana, segura o choro, porra. Não é hora para isso._ disse meu então chefe, Luciano Garrido, ao telefone.
Uma bronca providencial. Fundamental, eu diria.
Já era noite quando Sandro decidiu sair com Geísa do ônibus.
Tiros. A professora sai carregada por PMs, ferida.
Sandro é posto na mala da patrulha, ainda vivo.
Morreu sufocado pelos policiais ali mesmo.
Segui a ambulância que levava a professora até o Hospital Miguel Couto.
Foi minha última notícia do dia:
_Falamos, mais uma vez, ao vivo aqui do Hospital. Segundo nota divulgada agora pela equipe médica, Geísa não resistiu. Morreu há pouco.
Foi baleada no pescoço por um soldado do BOPE.
Soubemos depois que estava grávida de dois meses.
Era uma professora de artesanato.
Voltava de mais um dia de aula na Favela da Rocinha.
Tinha minha idade.
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sem palavras...
ResponderExcluirTriste história...
ResponderExcluirEmocionante o post, Mari. Nem sei como elogiar essa tua forma de descrever as coisas misturando jornalismo e sentimento. Como sempre, embora desta vez com um assunto triste, amei a postagem. Parabéns, você tem um dom. O dom de escrever, o dom de emocionar. Sou fã.
ResponderExcluir@TheyseViana.
Fiquei arrepiada com esse seu relato! Que maneira de começar a profissão! Por isso tanta bagagem, vc é fera! PARABÉNS!
ResponderExcluirQdo "crescer" quero/vou ser como vc. Grave isso
Bjs
Laís Gomes
Lembro com exatidão desse dia.
ResponderExcluirNossa cidade parou, e chorou... mais uma vez.
Sem palavras.
Hoje essa linha não existia, junto com Geísa, o 174 não existe. Mudaram o número, a cor.. tudo para que pudessémos conviver com essa dor.
Abraços,
Mari...o amor é essencial em qualquer trabalho, e acho que demonstrar isso ao público não é fraqueza, mas sim de uma grandeza que somente os puros de coração sentem...
ResponderExcluirSucesso sempre.
Cada dia + fã...
@Denice_Santana
Mari,
ResponderExcluirmesmo tanto tempo depois essa história ainda arrepia. Acho que por vários motivos..por ter acontecido perto da nossa rotina, por envolver uma pessoa inocente, por ter sido transmitida ao vivo na tv, rádio, etc.
Ao ler seu texto, me lembrei que há mais ou menos um ano meu tio comentou que lembrava de ouvir você entrando no ar ao vivo na cbn durante esse caso. Nós conversamos sobre como teria sido difícil para uma recém formada passar por tudo aquilo.. e como é difícil carregar esse dia terrível na lembrança.
: ) belo texto. Beijos, Thamine
Parabéns pelo relato (forte, não é para qualquer uma), pelo registro, pela coragem e pelo profissionalismo. Você é uma das melhores deta geraçao!! Que vc possa continuar firme nesta caminhada e sendo exemplo para nós, amantes do jornalismo. Admiro mt o seu trabalho! Bjo. Elizeth
ResponderExcluirPutz depois de tantos comentários o que o mais dizer? Mais um momento importante para a população e vc estava lá, forte, decidida e competente! :)
ResponderExcluirParabéns!!!
@claudiacazevedo
Claudia Azevedo
Como disse em RT no twitter para ti tenho esse filme e me amarro legal nele, não em canso de ve-lo. Agora então que soube que você fez a cobertura nossa muito legal não imaginava que você tinha esse curriculo todo. Meu sonho e fazer jornalismo e se Deus quizer vo fazer faltão só 2 anos pra faculdade e so muito seu fã Mariana vo me espelhar em você.
ResponderExcluirMeu parabéns pelo seu trabalho, pelo trabalho
@danniloofreitas
Que tenso, Mariana! Fiquei super tenso todas as vezes que vi o documentário e o filme sobre o ônibus. Nem imagino como deve ser estar lá, ao vivo. Eu seria desses que iam querer chorar também.
ResponderExcluirSou fã das suas palavras que emocionam e acionam. Palavras que eu canto e me encantam, palavras que envolvem e movem. Mariana, ora Maria batalhadora, guerreira, raçuda - ora Ana, leveza, sensível, amor e paixão por uma vida que acompanhamos e desconhecemos. Sou fã da Mariana Gross, um ícone de "Generosidade Sem Fecho". Parabéns mais uma vez e um beijo do seu fã Rafa Lima (@limamemorabilia) :)
ResponderExcluirNossa!!!Mariana..faz tanto tempo, mas a cena continua na nossa memória...realmente isso marcou muito a população do nosso lindo Rio...mas mesmo assim parabéns pelo seu trabalho q acompanho sempre!!!bjoss
ResponderExcluirPow, Mariana... Eu não sabia do negócio da gravidez!!! =(
ResponderExcluirQue triste...
Engraçado (se é que podemos chamar assim) é que eu NÃO ACOMPANHEI toda essa agonia, eu trabalhava de madrugada e dormia de tarde... Quando acordei, já tinha acontecido toda essa tragédia... Mas eu desejei que tudo isso tivesse sido um sonho.
E você, como sempre, descreveu de uma maneira poética e arrepiante.
Fique com Deus, Mariana!
Eu li sobre essa sua cobertura na Revista da TV do jornal O Globo... Mas foi um relato de um colega seu em cima das suas palavras, e ler aqui, as suas palavras e com a sua emoção, é muito diferente, e mesmo onze anos depois, é tocante e emocionante relembrar. Pra mim é pior, 12 de junho é meu aniversário...
ResponderExcluirBjo Mary G.!!!
Chorei.
ResponderExcluirNossa!é um fato pra não mais se esquecer!foi marcante e como vc mesma disse,foi uma prova de fogo pra uma iniciante...
ResponderExcluirNa época fiquei muito comovida,e com vc relatando esses detalhes,parece que revivi tudo de novo.
Parabéns pelo profissionalismo!!
Deus te abençoe e proteja sempre!!
Maravilhoso seu texto!
ResponderExcluirEnvolvente e emocionante! Parabéns!
Dia marcante.
ResponderExcluirInesquecível(trágico) parece tão recente...
Texto incrível, emocionante de um fato marcante.
Nos faz reletir sobre muitas coisas. Nosso dia dia, tão corrido em que muitas das vezes não percebemos os mais simples gestos de carinho...
Obg Mary Gross.
Carinho enorme.
Lindas palavras!Bjao Mari!
ResponderExcluirNossa, parece que foi ontem! Lembro que cheguei da escola e vi tudo pela tv. Triste história!
ResponderExcluirEmocionante seu texto.
Bjs
É Mariana....tudo isso aconteceu pra te mostrar que você não veio pra brincadeira...o fato aconteceu e você estava lá. Bela maneira de se começar e triste fim que não iremos esquecer. Sucesso sempre e avante!!!! Bjsss Juliana Castro.
ResponderExcluirMariana
ResponderExcluirFiquei mto arrepiada!!!!!!!!!!!!
Uiiiiiiiii
Carol
Eu odeio o BOPE.
ResponderExcluirGostaria de saber se vc viu o primeiro filme que fizeram sobre o 174, é um documentário. Nunca chorei tanto.. com certeza, o Sandro, também era uma vítima. Ele estava agindo como deveria.. entregando a menina e se entregando, aí vem o IDIOTA do policial e estraga tudo.
Adoro vc, e seu blog, bjs, Marta
Chorei!!!
ResponderExcluirFico impressionada com o dom que você tem escrever e relatar as coisa como realmente são.Me arrepio de verdade com cada história triste e feliz que vc nos relata.
Obrigada por você compartilhar esse seu Dom MARAVILHOSO que você tem de escrever e encantar as pessoas com essa sua simplicidade.
Cada vez mais admiro você,pelo que és,por ser também uma repórter BRILHANTE,e uma escritora de Talento...
Como eu já disse e vou repetir novamente :
AMO seus textos...Adoro você...Sua Fã.
Beijos do tamanho do mundo pra você.
Que dia triste foi aquele né Mary... Foi um belo trabalho que você fez...
ResponderExcluirinfelizmente não tenho muitas paravras...
A experiência deve ter sido um marco pra você. Deve ter te amadurecido profissionalmente alguns anos, não foi? Bom que ainda hoje mantém a sensibilidade em tudo o que faz.
ResponderExcluirAdorei mais um texto!
Eu tinha 9 anos e me lembro da transmissão toda. Muito triste! Foi um dia em que a esperança perdeu uma integrante.Professores são heróis que mostram a cada dia a importância de acreditar no ser humano.
ResponderExcluirOlá Mariana,
ResponderExcluirMuito prazer, sou Marcus Vinícius, 13 anos, moro em Salvador- BA e pretendo ser jornalista. Fiquei impressionado com a sua narrativa... Simplesmente de tirar o fôlego. Li e pude sentir na pele a angústia e a tensão, não apenas sua, mas dos passageiros do ônibus.
Admiro- a bastante e a considero uma das minhas referências no tele e no radiojornalismo. A propósito, possuo dois sites/blogs. São eles o http://www.jornaldomarcus.blogspot.com/ e o http://www.tvsalvadornewsba.blogspot.com/. No primeiro inclusive, eu apresento um web-jornal uma vez por mês. Quando puder, acesse!
Forte abraço do futuro colega,
Marcus Vinícius
Infelizmente a violência na cidade só faz aumentar as estatísticas das mortes prematuras. Acompanhei com profunda agonia esse desfecho e lamentei pela morte da professora. Rezo para que episódios como este e do colégio em Realengo não se repitam.
ResponderExcluirMarcelo Mesquita
http://duo-postal.blogspot.com
Você é de uma coragem tremenda...
ResponderExcluirEssencial a uma jornalista, difícil demais ser CONTADORA...
Como relatar certos acontecimentos sem se envolver? Somos humanos, choramos, sentimos...
ResponderExcluirAquele dia eu fiquei tão pasma e até hoje me pergunto por que o ser humano consegue chegar a esse nível...
Abraços da fã e colega de profissão
Acho que toda Mariana tem esse lado sentimental, isso que torna seus textos, suas reportagens tão especiais!
ResponderExcluirBelíssimo texto, mostra seu profissionalismo,sem esquecer o lado humano.Parabéns! Sou sua fã!
Mariana, não conhecia seu blog... Muito bom mesmo, parabéns!! Me deliciando aqui com os textos. Rende livro, hein?! O do tragédia de janeiro pra mim é o melhor. É claro que acabei me identificando por termos visto coisas impressionantes diante nossos olhos. Por pouco não vi Dona Ilair ser arrastada também. Mas parabéns mesmo, ganhou um leitor assíduo!!
ResponderExcluirUm abraço,
Bruno Miceli
Frases curtas. Respiração contida. Você reviveu aquele momento com tanta intensidade, que julguei estar em uma das tantas janelas fechadas...
ResponderExcluirUma grande escritora se funde com a jornalista.
Beijos e parabéns sempre!
Denso!
ResponderExcluirSou muito próximo a Adilson Dias, diretor de teatro, que foi sobrevivente da Candelária e companheiro do Sandro quando morava nas ruas do Rio. É um grande exemplo de superação. Está tendo uma vida muito distante da que teve seu companheiro. Um alento, ao menos.
Oi Mariana,meu nome é Renato sou do interior de sp, e muito triste o que aconteceu de ontem para hoje, somente Deus para confortar os corações desses familiares, gosto de vc como repórter tem muito dinamismo, queria pegar amizade contigo para a gente manter contato, tentei te achar no face não consegui, desve emquando eu estou no Rio. se vc poder mandar me aceitar no face é renato fernandes fernandes ou vc me manda no seu email ou msn ou meu é renataotima@hotmail.com bj fica com Deus.
ResponderExcluirOBS: Gostaria muito um dia te conhecer
Renato Luis Fernandes, José Bonifácio- São Paulo
Sem palavras...
ResponderExcluirAvassaladora sua forma de escrever, Mari. Vc está de parabéns. Mesmo.
ResponderExcluirDepois de tanto tempo dessa história horrorosa, depois de tudo q foi dito, ouvido, sentido, lamentado... Parei pra ler e quando cheguei ao fim me surpreendi com os olhos cheios d'água e o coração acelerado.
Bravo, minha flor!! Bravíssimo!!
Beijos,
Rê Guaraná
Parabéns, Mariana... Em você, a sensibilidade de uma poeta e a objetividade de uma jornalista... Deus te abençoe!
ResponderExcluirParabéns, Mariana... Em você, a sensibilidade de uma poeta e a objetividade de uma jornalista... Deus te abençoe!
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