domingo, 11 de julho de 2010

Tarada

O camarim de uma repórter é itinerante. Improvisos em movimento... Batons e escovas no carro acelerado, no helicóptero turbulento, na calçada escura. Quinquilharias viajam conosco.
São testemunhas do caos, da violência, do tumulto.
Itens que deixam a pia para nadar contra o fluxo dentro da bolsa.
Ao olhar o mapa do estado, descubro que o Rio ficou pequeno.
São poucos os recantos inexplorados.
Na tela, divido imagens. Na mente, guardo os bastidores.
Depois de abraçar a profissão, acompanho telejornais com perguntas íntimas:

 _Como será que essa jornalista chegou até aí? _Onde ela vai dormir? Vai tomar banho hoje?

Para mulheres, o desafio é maior. Envolvidas pela adrenalina da notícia, muitas vezes esquecem do trivial. Da bexiga cheia. Quando começa a apertar, é preciso perder a cerimônia.
Coleciono banheiros inusitados em minhas peripécias jornalísticas.
Certa vez, de plantão na porta de um hospital público, busquei alívio na funerária em frente.
No pequeno banheiro embaixo da escada, um depósito de caixões infantis.
Um pipi mórbido.
Numa casa humilde nos confins de Itaboraí, não tinha vaso sanitário.
Tive que mirar num buraco aberto no chão de terra batida.
Um pipi aéreo.
Como vêem, me libertei de frescuras em prol das necessidades básicas.
Uma única fobia profunda, porém, ainda me abate. Desatina.

Há poucos meses, numa terça-feira de trabalho insano, percorri a cidade em reportagens alucinantes. Tiroteio na favela, assalto na auto-estrada. A última tarefa seria entrar ao vivo às sete da noite.
A equipe me aguardava em frente ao Hospital do Fundão. Lá daria as últimas informações sobre o surto de gripe suína. Cheguei em cima da hora. Tinha então vinte minutos para apurar as novidades antes de entrar no ar. Não conseguia assimilar o balanço mais recente da doença. Dados divulgados pelo médico se perdiam no vento. Algo me incomodava.
Foi aí que lembrei. Estava apertada há tempos.
Descobri um banheiro nos fundos da cantina da Universidade.
Entrei esbaforida.
Uma aluna alertou que a luz estava queimada e se prontificou a vigiar a porta que não tinha maçaneta.
Um pipi no breu.
Melhor assim. Só depois vi onde estava pisando.
Quando abri a porta, um feixe de luz revelou o pior: O chão estava repleto de baratas cascudas.
O inseto repugnante age como criptonita em meu heroísmo.
Saí às pressas sem lavar as mãos.
Já junto da equipe, operadores de áudio iniciam o ritual de instalar equipamentos e fios em minhas costas para a entrada no telejornal.
De repente, um deles diz a frase funesta:
 _ Eu vi um bicho entrando na sua calça.
Senti a inimiga percorrendo a canela. Provavelmente saiu clandestina daquele banheiro fétido agarrada a meu jeans. Perdi as estribeiras. Pulei feito milho em óleo quente.
A intrusa continuava subindo. O jeito foi baixar as calças.
Medida extrema, acertada e rápida. O semi strip-tease durou apenas o bastante para eliminar a cretina.
A ousadia da barata foi castigada com um sonoro e mortal pisão do cinegrafista.
Caí em prantos enquanto meus colegas aplaudiam a atitude inédita.
Os quatro não viram nada além de alguns segundos de calcinha cor de rosa.
Rendinhas ao relento marcaram o imaginário.
Até hoje ouço comentários.
Dois minutos depois, lá estava eu no vídeo.
Sem lágrimas e cheia de números para divulgar.

Improvisos em movimento...

57 comentários:

  1. Respostas
    1. Show ! tudo pela notícia !

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    2. Legal é ver que vc é uma pessoa normal... quem vê na telinha acha que tudo é perfeito!!! Virei seu fã.

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  2. Sensacional Mariana. Morri de rir aqui. É verdade, a gente sempre fica imaginando como o repórter se vira em certos lugares, muito interessante você postar isso. Ainda mais pra me preparar, porque eu estou estudando jornalismo. Valeu por mais um post super interessante.

    Beijos

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  3. Como pode uma mulher q enfrenta matéria de tiroteio ter medo de barata meu Deus???
    Realmente é de rir litros com essa história. E a cada dia me faz ver ainda mais como é essa nossa profissão... e ver q fiz a escolha certa =) Ahhh e a sorte é q nao tenho medo de baratas..huaahuahuahuahau...
    SOrte sempre Lady Gross =)

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  4. As histórias que só o jornalismo proporciona! Muito bom!

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  5. Adorei, adorei, adorei!
    Vida de jornalista parece fácil, mas não é...também sou repórter e passo por cada uma...mas nenhuma barata subiu em mim AINDA! hahahaha.... continue postando os bastidores do Jornalismo. Adorei!

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  6. Mariana, adorei! Divertido e instiga a curiosidade de nós que, do outro lado da telinha, acompanhamos apenas o momento da reportagem, às vezes, sem nem fazer ideia do jogo de cintura que deve haver antes de entrar no ar!

    beijos!

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  7. Que história gostosa de se ler. Pude me imaginar em cada cena dessas. Parabéns! Você me parece ser o tipo de pessoa que quando se propõe a fazer algo, faz muito bem feito. É por isso que tanto te admiro, tanto sou sua fã. Para mim, você é um grande exemplo de profissional.

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  8. Muito bom relato. Você é uma figura. Esse seu blog ainda vai render um livro.
    Bjs

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  9. O que são essas histórias?! De chorar de rir (muito depois que elas acontecem, claro), ilustram muito bem a dura vida de repórter, bem mais complicada quando se é mulher! Parabéns, Mariana, por esse trabalho maravilhoso, que supera todos esses trancos e barrancos, um beijo

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  10. Adorei kkkkk Vc é como a minha mãe, uma desbravadora de banheiros c/ a bexiga cheia!
    Precisa comprar aquele objeto q nos ajuda a fazer xixi em pé! rs
    http://www.go-girl.com/what-is-gogirl.asp

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  11. Hauhahuahua... Muito bom, Gross! Fiquei imaginando cada linha desse texto, principalmente as últimas - afinal, logicamente, "rendinhas ao relento marcaram o imaginário". Hahauahu! Esse texto só mostra o quanto és guerreira, cara! Demais!

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  12. Oi Mariana!
    Adorei o texto! Engraçado é que todo mundo acha que a vida na frente das câmeras é de puro glamour, né? Mal sabem eles que pra manter um cabelo pelo menos mais ou menos escovado em dias de chuva ou ventania é quase tão difícil (se não for mais) que a apuração e a produção de um VT... rs
    Parabén! Adoro o blog e quase sempre passo por aqui!
    Beijos!

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  13. Mariana,
    você existe!??!!? rsrs
    Adorei as suas peripécias.. e fiquei imaginando cada cena. Principalmente a última da barata.
    Eu não tenho medo.. mas com certeza teria um nojo horroroso.
    Boa sorte na sua profissão.
    Bjs
    Flávia

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  14. Lady Gross fez minha vida menos pior depois desse post! Schadenfreude!!!

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  15. Mariana Gross...simplesmente maravilhoso! Gostei muito...voce faz parte de um familia maravilhosa,com que eu aprendi muito e tenho imenso carinho, e fico super feliz de ve-la plantando e ja colhendo tão belos frutos! Visitei seu blog pela primeira vez e voltarei sempre...Textos com leves toques de humor, pequenas doses de saudades..mas grande paixão pelo o que faz. Parabens!

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  16. Muito bom mesmo Mariana, hilário. Poste sempre mais sobre osbastidores, pelo menos eu tenho muita curiosidade em saber....

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  17. Concordo com o Renan.
    Nossa! Seu texto, muito bom. Fiquei imaginando direitinho a cena e pensando que, se fosse comigo, faria exatamente a mesma coisa!
    Com as baratas todo nosso heroísmo desmorona.
    Parabéns pelo blog. Tô adorando os excelentes textos.
    Beijos!

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  18. peripécias de uma profissão ingrata.

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  19. hahahahaha esse post ficou hilário. Você me fez lembrar de inúmeras situações que também já passei com a bexiga cheia, a pior delas foi quando decidi acampar. Na verdade, depois que passa a gente ri, mas na hora é desesperador. Definitivamente ser mulher é bem difícil, imagino então uma mulher e jornalista. Adorei, Mariana!

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  20. Sensacional !!!

    Parace engraçado agora, lendo as suas palavras.
    Mas deve ter sido pavoroso.
    Baratas?! Eca, q bicho nojento.

    Estou cada vez mais sua fã.
    Adoro a sua maneira de escrever.

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  21. Ai, ai, minhas bochechas ainda doem de tanto rir!!! Também tenho pavor de barata, já até torci o pé por causa de uma. Amei, Mariana

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  22. Estou rindo copiosamente a cinco minutos.

    Acho interessante coisas como essas virem a tona para quebrar um pouco com esse conceito de "vida glamourosa" de repórter.

    Em tempos que qualquer um que aparece na televisão é artista (até o Jaiminho do RJTV é), mostra que não é do nada que a informação que chega aos nossos lares.

    Parabéns pelo texto hilário!

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  23. Olha a Barataaaaaaaaa, Hilário Esse Texto, A-d-o-r-e-i De Verdade ! sem Falar Da Fotoo !

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  24. UFA! Finalmente consegui! :)
    Pois bem, querida! Leio absolutamente tudo aqui do blog. ADORO! Pois me identifico com grande parte das coisas que vc escreve. Estou no 1° ano de Jornalismo e a cada dia que passa, através de blogs como este tenho a certeza de que escolhi a coisa certa. Não há nada no mundo que pague a felicidade dessa certeza! =)
    Obrigada por esses textos divertidos!
    Um beijo enorme!

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  25. Mari, não sabia q vc tinha passado por isso... que guerreira! aquela frase do botafogo cai como uma luva pra vc: "tem coisas que só acontecem com a Mariana G."... bj!

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  26. Você é uma figura!!! Assim como os outros que comentaram, imaginei todas as cenas... Hahahahaha. Adoro seu blog! Bjokas.

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  27. Pretendo ser jornalista também, estou na faculdade, vejo que é esse o futuro que me espera. Tomara que no final tenha valido a pena.
    Adorei seu blog, assim como adoro você.
    Parabéns.

    Beeijos :)

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  28. hahaha
    quem diria...a gente não sabe de nada mesmo quando a matéria vai ao ar...

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  29. hahahaha muito engraçada a história.

    Descobri seu blog por acaso. Li as postagens, achei super legal. Já estou seguindo-o.

    Parabéns!!

    Bjs

    Chandra Santos

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  30. Hilário... Quase convulsionei de tanto rir, imanginando a cena.
    Parabéns pelo ato de coragem.

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  31. A Mari é demais... se despe não só do Jeans, mas de toda e qualquer vaidade para poder compartilhar conosco o mais inusitado que possa lhe ter ocorrido.

    Adoro esse cantinho dela...

    http://apenas-daniel.blogspot.com/

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  32. Muito bacana esse dia a dia do jornalista.Coisas inusitadas acontecem,né?E muito obrigado por você nos botar a par dessa sua intimidade profissional.Grande sucesso para você:como jornalista e escritora também,que talento não lhe falta.Abraços.

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  33. Meu Deus .
    Quase que inacreditável essa história .

    Nossa imagino os homens do local ; tudo vendo vc fazendo um Strip Tease em frente a um hospital ; por causa de uma barata .

    Vc é SUPER ; Incrível ; SENSACIONAL .
    Simplismente Incrível .

    Essa história com certeza é inesquecível
    digna de um verdadeiro programa de HUMOR ; e digna tbm de Contar pros netos e tbm Bisnetos .

    Vlw FERINHA .
    AMO MUITO VC .
    Desse Chatinho aquiiii.
    @jrnascimento15

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  34. huahauahauahauaahuaaha Sem comentários. muito boa messsmo. O mais interessante dessas histórias e acontecimentos, são os bastidores. Me amarro e passaria horas ouvindo vc falando de cada situação vivida. A do pipi aereo tbm foi ótima (vai ficar no meu imaginário).

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  35. Similar ao que Letz disse, vc é como minha mãe: tem um medo que se pela de barata! mts rs... Parabéns pelo texto, muito bem escrito e com um toque de humor (negro) sensacional! E por fim, é impossível tirar da cabeça o último parágrafo.... Bjs e sucesso!

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  36. Mariana,

    Adorei tomar conhecimento do seu blog e dessa forma conhecer um pouco mais da pessoa que quase diariamente habita minha casa. A sua presença não só me auxilia na escolha do meu percurso para o trabalho, como também na escolha do meu figurino. Pelas imagens decido se coloco um jeans, uma sandália, uma bota, um vestido mais leve ou fechado, e assim por diante.

    Você sabe que, pelo horário, não tenho como ficar à frente da tv, mas garanto que dou várias espiadelas e que ouço sua voz marcante em todos os cantos do meu apartamento antes de sair.

    Também tenho um post sobre uma barata; o relato foi real e ainda teve outros desdobramentos que omiti para não melindrar a outra pessoa envolvida. Se tiver oportunidade acesse o meu blog e leia O BARATO DA BARATA, em 01/03/2011.

    Valeu!

    Um abraço.

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  37. Descobri seu blog hoje.
    Sou carioca e moro em Brasília desde 1991, mas cada vez que vou ao Rio, na casa da minha mãe, tenho que te ver na telinha; voando ou no chão, no Bom Dia Rio ou no RJTV.
    Você na TV é uma das coisas que mais sinto falta em Brasília...

    Um grande abraço!!!
    Jorge Luís dos Santos Paiva
    jorge.monica@globo.com
    @JorgeLuis_Paiva

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  38. qual é? Esse é o melhor. Não diminuindo os outros, claro. Mas isso é Jornalismo. Isso é Mariana Gross! haha

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  39. Uma das coisas que acho mais impressionante na maioria dos jornalistas é que não importa se vc está a 10min ou 10seg de entrar ao vivo na tv, seja para dar uma nota triste ou alegre, para nós telespectadores tudo sempre parece tão perfeito. E você é excelente em suas entrevistas, até quando alguém faz algo inespertado, vc com um rápido raciocinio manda uma e nunca fica por baixo. Parabéns e até... PG

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  40. Amei esse texto.
    Mariana, voce nao existe. Nossa, historia impar!
    Amando seu blog!
    Ri muito aqui.

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  41. relmente a cada texto seu que leio, fico adimirado ! parabéns !

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  42. Fantástico,realmente excelente!!
    Mais uma vez,pude visualizar a cena se desenrolando na minha frente!!
    Parabéns Mariana,quanta história!!!

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  43. Mariana eu to rindo culpa sua rsrs Parabéns!

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  44. Sensacional! Já gostava de você pelo seu trabalho! Dá pra notar que você parece ser muito gente boa! Parabéns Mariana!

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  45. Linda!
    Que história apaixonante, hilariante. É por essas e outras que amo essa profissão.

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  46. "Rendinhas ao relento..." foi OTIMO!!! huahuahuauhahuahuauha

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  47. Nossa....minha mae tb tem ''cretinas'' como criptonita.Mas ela nao ficaria nem de calcinha, tiraria tudo....rsrsrsrs...Vc e' A Reporter...Show.

    Att
    Felipe Martinez

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  48. Mariana cê é doida. kkkk. mas a espontaneidade em resolver questões "importantes" que nos incomodam é uma dádiva e você a têm. kkk

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  49. Sou sua fã, e quero ser como você quando crescer =)

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  50. Texto interessante e muito bem escrito, tal qual um poema geralmente o é. No entanto, se me permite uma crítica, achei muita pretensão de sua parte supor que a sua "calcinha cor de rosa", bem como as tais "rendinhas ao relento", pudesse, de alguma forma, "marcar o imaginário" daqueles que presenciaram esta cena tão estapafúrdia.

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