segunda-feira, 11 de julho de 2011

GIZ


Outro dia descobri que te amei.

Seguia na mesma rotina.
No rádio, a canção de Jobim.
Um rosto veio à retina.
Olhar que não coube em mim.

Repleta de ti, reli seu jeito.
Carta aberta de memórias.
Escrita a giz em meu peito.
Talhada em belas histórias.

Escavei sentimento antigo.
Que não sabia da existência.
Amor que ficou de castigo.
Lacrado em penitência.

Marretei sensação encoberta.
Enterrada sob denso concreto.
Emoção tardia se liberta.
De encontro, outrora, secreto.

Amor verdadeiro, agora sei.
Atrasei-me por assumir.
Mais puro que prata de lei.
Por hora vou admitir,

Outro dia,
descobri que te amei.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Andorinhas


Sempre gostei de dar Bom Dia.
Nem meu habitual mal-humor matinal, frea o ímpeto de cumprimentar estranhos.
Quando criança, festejava até passarinhos nas manhãs de Búzios.

_ Bom dia, andorinhas!_ dizia.

De uns meses pra cá, meu bom dia, ganhou amplidão.
Agora é via satélite.

Quem diria...

Por trás do vidro, no plasma, em lâmpadas de LED, pela internet.
Todos os dias, acordo muita gente com as tais palavrinhas.
Sei lá que cômodo, que momento, estou invadindo.
Só imagino situações.
Em algumas delas, talvez, até sirva de estímulo:

_Essa moça já está lá no estúdio, toda arrumada, e eu aqui de pijama, debaixo das cobertas.

Há também os que fazem do jornal, um despertador:

_ Já ouço a voz daquela magrinha. O Bom Dia Rio começou? Tenho que entrar no banho..

Esta semana, uma delegada disse que só escolhe a roupa, depois de ouvir o que tenho a dizer sobre a previsão do tempo.

Baita intimidade.
É preciso caprichar.

Naquela hora da manhã, já falando pelos cotovelos, tinha tudo para me tornar a "incoveniente da madruga".
Miro, então, em exemplos bem sucedidos.

Quer um "Boa Noite" mais doce que o da Fatima Bernardes?
Ou um "Até domingo que vem" tão simpático como o do Zeca?
E o que dizer do "Olá" de Renata Capucci?

Atuais medalhões da apresentação, eles conquistaram a naturalidade, do primeiro ao último alô, com o telespectador.
Não é fácil.

Eu sempre respondi ao Cid Moreira em sua tradicional despedida no Jornal Nacional. Era como um tio grisalho alertando a estudante de que já era hora de dormir.

Qual seria então o segredo de se comunicar bem com uma lente?

Admito que, dois anos atrás, prestes a fazer minha estreia no estúdio, cheguei a treinar diante do espelho. Foram mais de quarenta repetições.
Nada feito.

Hoje, observo o amanhecer, peso o humor nosso de cada dia e disparo o cumprimento leve.
Como o de uma criança fazendo arte no jardim da casa de praia.

Bom dia, andorinhas.
É hora de voar...

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Ônibus 174


Era uma professora de artesanato.
Voltava de mais um dia de aula na Favela da Rocinha.
Tinha minha idade.

Geísa pegou o ônibus naquele dia dos namorados de 2000.
O percurso foi interrompido a poucos metros da minha casa.
Na época, ainda morava com minha mãe.

Foi naquela esquina que nossas vidas se cruzaram.
Mas só uma seguiu em frente.

Eu, recém-formada, já repórter da Rádio CBN, ia para uma reportagem sobre aumento do preço do material escolar.
Escolhi a papelaria do português perto de casa.
Meu percurso também foi interrompido.

Havia um assalto com reféns em andamento no Jardim Botânico.

A área ainda não estava cercada.
Me aproximei do ônibus da linha 174.
Surge a professora na janela.

Um olhar inesquecível.
Seco, arregalado.

_Sai daqui repórter. Avisa aí que eu vou matar todo mundo._ disse Sandro, o sequestrador.

Seguiu-se uma cobertura de seis horas.
Policiais bloqueando ruas, moradores fechando janelas, atiradores posicionados e um país unido pela agonia.

Geísa foi o escudo mais usado por Sandro.
Quando o bandido a soltava, ela olhava para mim.
Um rosto sem esperança.
Parecia saber que, naquele dia, não voltaria mais para casa.

_Eu vou morrer. Sei que vou._ repetia

Em um momento, gritei de volta:

_Fique calma! Já vai acabar!

Fui repreendida pelos policiais que pediram para que eu não respondesse.
Meus gritos poderiam atrapalhar ainda mais as negociações.

A audiência na rádio bateu recordes.
Até a tradicional "Hora do Brasil" foi suspensa.

Minha avó me viu na TV:

_Minha neta, afaste-se desse ônibus. Tá muito perigoso isso. Pode sobrar para você.

Sentia cãibra nas mãos. Foram intermináveis entradas ao vivo ao celular também para a Rádio Globo.
Uma narração dificílima. Descritiva. Tensa.
Prova de fogo para uma iniciante.
Tinha vontade de chorar.
De fechar os olhos quando Sandro ameaçava "explodir a cabeça" dos reféns.
Por várias vezes, entrei no ar com a voz embargada.

_Mariana, segura o choro, porra. Não é hora para isso._ disse meu então chefe, Luciano Garrido, ao telefone.

Uma bronca providencial. Fundamental, eu diria.

Já era noite quando Sandro decidiu sair com Geísa do ônibus.
Tiros. A professora sai carregada por PMs, ferida.
Sandro é posto na mala da patrulha, ainda vivo.
Morreu sufocado pelos policiais ali mesmo.

Segui a ambulância que levava a professora até o Hospital Miguel Couto.
Foi minha última notícia do dia:

_Falamos, mais uma vez, ao vivo aqui do Hospital. Segundo nota divulgada agora pela equipe médica, Geísa não resistiu. Morreu há pouco.

Foi baleada no pescoço por um soldado do BOPE.
Soubemos depois que estava grávida de dois meses.

Era uma professora de artesanato.
Voltava de mais um dia de aula na Favela da Rocinha.
Tinha minha idade.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Pêndulo


Olha em frente.
A longa estrada reflete no vidro do carro.
Chove.
O limpador seca o parabrisas.
Pêndulo que varre as gotas.

Vai e vem. Como o nosso amor.

Quando vai, é trovoada de horizonte turvo.
Resta o acostamento de mágoas.
O percurso fica curto. Escorregadio.
E a motorista frea.

Onde está o navegador?

Quando vem, é chão de pétala.
Vento oxigena motores.
Rodas flutuam no asfalto. Dançam.
E a motorista acelera.

Meu norte chegou.

Agora o pêndulo está parado.
O vidro cristalino.
A vista, cheia de sementes.

É verão em meu caminho.

Vamos em frente, Commander.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Bom Dia Rio


Na hora em que o sono pesa.
A cama te abraça. O silêncio embala.
Um alerta em transe interrompe o transe.
São quatro e quinze da manhã.
Levanto enrolada no edredom. Nossa separação tem que ser paulatina.
Saio pelas ruas escuras e vazias.
As primeiras palavras da madrugada fria são "bom dia" para o mendigo na calçada da padaria.

Maquiagem, secador, camisa passada e certo mau-humor.
Doze andares de elevador.
No espelho, as olheiras fartamente disfarçadas.

Enfim o encontro com o estúdio.
Um cenário real no topo do prédio no Jardim Botânico.
Revestido de vidro. Cercado de belezas naturais.
Da vidraça lateral, em primeiro plano, o Corcovado e o Cristo Redentor de banda.

Do vidro central, o brilho da Lagoa Rodrigo de Freitas e montanhas.
O hipódromo da Gávea e tordilhos galopando. À esquerda, o Morro Dois Irmãos escancarado e farto trecho da Floresta da Tijuca.

É entre cartões-postais que celebro meu alvorecer.
A alegria vem mesmo com o Pão de Açúcar.
Por trás dele agora vejo o sol surgir todos os dias.
Um fenômeno ligeiro. Não pode piscar.
O círculo rosado vai rompendo a neblina.
Colorindo as nuvens.
Injetando ânimo à minha prostração.

Sempre gostei dos começos.

Os primeiros raios iluminam meu rosto.
Doam energia.

Bom Dia Rio.
É bom acordar com você.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Heróis ocultos


Fim de tarde. Setembro de 2001.
Cheguei à Linha vermelha as pressas.
Um incêndio embaixo do viaduto da via expressa lambia casas de papelão.
Uma comunidade miserável erguida sob concreto e asfalto.
Famílias corriam para se salvar.
Porcos encoleirados num canto escuro, aos gritos. Ambiente insalubre.
O homem desesperado observa os destroços em chamas e grita pela filha.
Um bombeiro invade o fogo, sem titubear.
Resgata a criança. O que restou dela.
Era um pequeno corpo desfigurado nos braços de um bombeiro inconsolável.

Em maio de 2004, o esgoto tomou conta da principal Avenida da Lagoa, na zona sul. Jorrava de um grande duto rompido. Invadiu carros, parou a região. Chegam técnicos do estado e desligam as bombas. A medida não surte efeito. A cachoeira fétida ainda borbulhava com força.
Um deles, então, põe máscara e roupa especial.
Mergulha no coco, sem titubear.
Contém o vazamento e sai do buraco sorrindo.

No ano seguinte, uma adolescente é encontrada ferida e traumatizada numa calçada em Del Castilho. O pai bêbado é quem batia e violentava a jovem.
Marina, de 16 anos, parecia um bicho acuado na sarjeta. Agredia quem tentasse lhe oferecer ajuda. Surge uma psicóloga que, no primeiro contato, levou uma bofetada no rosto. Depois, teve uma mecha de cabelo arrancada pela jovem ferida. A especialista não desistiu.
Depois de mais de uma hora ajoelhada ao lado de Marina, ganhou um abraço da menina aos prantos.
E a levantou do chão.

Nos primeiros raios de sol do primeiro dia de 2006, minha equipe estava a postos em Copacabana. A festa do Reveillon tinha acabado. A pista da orla coberta de latas e garrafas. Quilômetros de sujeira no horizonte da princesinha do mar.
Surgem homens de laranja e suas vassouras.

Pergunto a um deles:

_ Por onde vocês pretendem começar?

_ Nós não pensamos em começar. Temos é que acabar a limpeza. E logo.

_Feliz Ano Novo pro senhor._ disse eu.

_ Para você também. Boa reportagem.


Homenagem aos personagens cariocas que, assim como nós jornalistas, são sinônimo de resiliência.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A Fada do Mercadão


Mulheres suspirando. Adolescentes sonhando acordadas.
E o ar do planeta carregado de amor.
Paramos em frente à TV, naquela sexta-feira de abril, não para ver os desdobramentos da guerra ou mais uma tragédia natural.
Queríamos o beijo, não a bomba.

Um casamento real com pinceladas de "Era uma vez...".
Todos os personagens ali:
A princesa plebeia, o noivo fardado, a madrasta má e até as irmãs, ou primas, mocreias.
Não há imaginação curta que não estique.

_Eu também quero me casar com um príncipe_ diziam moças cariocas diante das imagens.

Aquele dia, no Mercadão de Madureira, eu não fui princesa.
Fui fada. Fada madrinha.

Estava em um dos mais tradicionais mercados populares do Rio com uma missão: mostrar a busca por cópias de acessórios usados pela princesa Kate.
O anel de noivado, que havia sido de Diana e agora brilhava no anelar de Lady Middleton, era artigo quase esgotado na versão made in China.

Minutos antes da entrada ao vivo no RJTV, procurei pelos corredores do centro comercial uma jovem para entrevistar.
Queria que uma das tantas cariocas encantadas com o casório, declarasse seus anseios no telejornal.

Envergonhadas, elas não se dispuseram a dar entrevista.

De repente, surge uma mulher de uns quarenta anos.
Com tiara de tule na cabeça e bom humor, se apresentou como candidata a princesa. Elisa trabalha como vendedora de plantas em um quiosque do Mercado.
Achei inusitado.

Primeiro fiz perguntas para a gerente da loja de bijuterias.
O estabelecimento estava faturando alto com o casamento real. Vendera, em horas, dezenas de anéis de "safira" por módicos quatro reais.

Depois, apontei o microfone para Elisa:

_ Você já garantiu seu acessório "real", não é isso? _ indaguei ao vivo.

_ Sim, Mariana. Estou pronta pra ser princesa.

_ Só falta o princípe? _ remendei.

_ Pois é... Alô, príncipe Harry! Eu estou aqui! _ disse ela, olhando para a câmera sem pudor.

_Quem sabe o irmão do príncipe William não te dá uma chance? _ completou Ana Paula Araújo, do estúdio.

Rimos demais.
Quando nossa equipe já estava indo embora, Elisa se aproximou com um imenso vaso nos braços. Era uma orquídea roxa belíssima.

A vendedora, com sorriso iluminado, me deu a flor em agradecimento:

_ Sou apaixonada por um cara há tempos. Ele nunca me levou a sério.
Depois que me viu na televisão, agora a pouco, ligou para mim cheio de declarações bonitas. Estou até emocionada. Obrigada, minha fada.

Gerson queria ser o príncipe de Elisa.

Que sejam felizes para sempre...

Sim Salabim.