segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Carta de um amigo
Música para leitura: Killer Queen
Para Mariana
Gosto dela. Principalmente quando dá aquelas gargalhadas silenciosas. É um momento delicioso e curioso, porque consegue fechar apenas um dos olhos (se não me falha a memória, o esquerdo) e leva a mão (aí, sim, a direita) espalmada perto da boca, como se quisesse esconder o som invisível de seu riso. É de tirar o fôlego. Em forma de éle, ela quase que encaixa o polegar no queixo, enquanto o indicador encosta levemente na ponta do nariz. Como se sua risada fosse um segredo aberto: uma tosse de ternura. Sabe como é, né, Vinicius?
A gente se conheceu na redação. Não lembro bem como foram as primeiras palavras, mas ela vinha sempre cheia de ginga e de gíria. Sabia que não era seu jeito, mas uma forma de se aproximar de um garotão de 22 anos, meio zona sul, meio metido a malandro. Ela é observadora. Fala bastante, porém a mesma destreza das palavras proferidas lhe serve das que sabe ouvir. Quando presta atenção às coisas, espreme as sobrancelhas, aperta os olhinhos castanhos e fica levantando e abaixando a cabeça rapidamente, em movimentos curtos, mostrando não só que está entendendo o assunto, além de, claro, demonstrar interesse, mas também expressa, à sua maneira, uma forma de pedir - e consentir - que a história a qual atenta possa prosseguir.
Eis que um dia ela me aparece e me faz a seguinte pergunta: “Você já voou de helicóptero?”. Senti um friozinho na barriga, porque tal curiosidade não viria sem propósito. Respondi ansiosamente que não, mas fingi uma calma que, de tão forçada, acabei errando a mão e quase fiz da indiferença um desdém. É óbvio que ela não percebeu – nunca perceberia. Ela devolve: “Quer voar comigo no Globocop?”. Não preciso dizer qual foi a resposta. Portanto, ela continuou: “Faz o seguinte: inventa uma pauta qualquer, vende pra chefia. Chega na redação às seis (da manhã) em ponto”. Mal sabia ela que já estava nas alturas antes mesmo de alçar voo.
Cheguei na hora combinada. Vesti uma camisa social branca (nunca vou saber o porquê) e fomos para o heliponto. Para ela, nada demais. Para este aqui: tudo. Fui apresentando ao piloto e ao cinegrafista. Embarcamos. O som das hélices preguiçosas girando, agora, nervosas. Estava amanhecendo dentro e fora daquele instante. Não conseguia fazer mais nada a não ser encarar Mariana, como se esperasse instruções para o próximo passo: caminhar nas nuvens. Decolamos.
Passeio pelo Dois Irmãos, Vidigal tranqüilo, incêndio no Flamengo, escada magirus fazendo cosquinha no pé. Um voo de meia-hora, mas que nunca terminou... E aí, percebo Mariana anotando, a duras penas, as máximas e mínimas previstas para algumas cidades do estado. Atenciosa. Mas a pressa do tempo acaba atrapalhando o zelo, e os papéis onde tinha anotado as temperaturas esvoaçaram pela cabine. Mas não percebemos. Quando era chegada a hora de entrar ao vivo, a doce Mariana arregala os olhos, abre a boca, suspende as sobrancelhas e vejo o desespero transbordando invisível pelas suas mãos estabanadas gesticulando para mim alguma coisa para que pudesse lhe ajudar. Meu nervosismo deu lugar a uma serenidade inexplicável e simplesmente procurei debaixo do banco onde estávamos: lá estava o rabisco dela, com os números anotados em centígrados. Que suspirada, hein, moça? Alívio. Ela me agradece até hoje. E eu também.
Outra vez, agorinha mesmo, fui parar nas nuvens com ela. De novo. Como se deu? De helicóptero. Outras circunstâncias, outros tempos. Talvez o vento fosse o mesmo que nos levasse pra lá, para o alto, para o céu: para as estrelas. Afinal, ela tem luz própria. Mesmo que, ao nosso redor, juntamente com outras duas jornalistas, houvesse três metralhadoras e cinco policiais. Mesmo que esta aeronave fosse blindada, que nos protegesse de algum perigo que não estivesse ali, porque não há certos ensaios para certas ocasiões. Talvez a blindagem não fosse à prova das coincidências. Era a segunda vez na vida que voava de helicóptero. E era a segunda vez que estive com ela nas alturas. É a única mulher que me deixou nas nuvens, mesmo em dias de céu claro. Mesmo despretensiosamente numa vez, mesmo acidentalmente noutra. Sim, ela tem esse dom.
Quando faço uma visita: Ela pergunta se não quero beber alguma coisa, depois lista as bebidas que tem na geladeira. Das que não tem na geladeira. Depois quer saber se estou com fome. Que pode fazer alguma coisa rapidinho, que não dá trabalho nenhum. Eu até tinha fome certas vezes, mas não queria parar a conversa ali. Quando o papo fica bom é fogo. E muda a posição, cruza as pernas, descruza as pernas, toca o telefone. Pede licença e atende. Às vezes, também quando toca o telefone, pede licença e não atende. Prefere continuar com suas histórias, que ficam um pouco minhas também, porque algumas só eu fico sabendo, ela gosta de me contar as coisas. Quando o papo fica bom é fogo. E é bom quando rimos das nossas desilusões amorosas, das nossas ilusões amorosas, das fofocas do trabalho, da saudade de meu pai, sobre casamento, suas histórias engraçadas e “típicas da Mariana”, de suas amigas com sobrenome de cobertura, de quantas vezes perdeu o celular, das novidades de morar sozinha, das novidades de viver uma vida literária, de palavras: de poesia.
Gosto dela.
De lá pra cá, nossos laços se estreitaram. Mas não foi depressa, não. Não ficamos amigos logo. Seis anos depois, sim, que posso dizer que me orgulho de tê-la em minha vida. Gostava de vê-la chegando, às vezes, mal humorada na redação bem cedinho. Escondida atrás de um rayban, sintonizada sempre com seu ipod (mas apenas um ouvido no fone, o outro ficava livre, acho que para prestar atenção nas coisas, jornalista esperta que é), sempre vinha à subchefia buscar a pauta. E aí contava uma história engraçada, colecionando sorrisos dos colegas, desopilando o clima pesado das manhãs violentas da cidade. Sim, a Mariana é muito engraçada. Ela é charmosa, ela é boa de papo. Talentosa: a Mariana brilha. Mas gosto mais de seu lado sério, quando ouve nossas palavras, quando nos prepara um jantar improvisado, quando serve um espumante rosé, um vodka com suco de laranja natural, um vinho, uma coca zero, uma água: quando nos acolhe pelo estômago.
E pelo coração.
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Pooooxaaaa... Q carta linda, adorei. Poética, sentir sinceridade ai!
ResponderExcluirE sobre o Talento é a única coisa que eu tenho certeza que a Mariana tem. Afinal de contas sou de Salvador mais adoro e acompanho o trabalho dessa mocinha. Minha repórter preferida, pra ser mais sincero uma das. Abraço Mariana e feliz 2011 e olha, nunca deixe essa amizade morrer. Ela é de verdade!
Oi Mary! Minha primeira vez aqui no seu Blog, amei D+++, guria, parabéns, vc escreve muito bem hein, que talento! Senti algo muito verdadeiro e profundo nesse Post, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência? Ou não?! Rssss. É realmente de arrancar suspiros... Rsss! Parabéns mesmo, vc é mesmo brilhante! Abraços, e feliz 2011, com muita saúde, paz e sucesso!!!
ResponderExcluirPS: seria um prazer tê-la lá no meu Blog tb: www.blogdamonicabif.blogspot.com. De vez em quando escrevo algumas coisas tb, minhas histórias são sempre reais, aprendizados e vivências pessoais... Bjsss, inté mais!!!
Noooossa!!! linda de mais essa carta,alias onde a sinceridade,pode ter certeza que há Amor.
ResponderExcluirBeijos Mari,adoro vc!
Sou muito seu fã. Sou Conselheiro da Revista Megazine do O Globo. Seria um prazer se você passase no blog da revista amanhã: http://oglobo.globo.com/blogs/megazine terá um post meu sobre a visão que devemos ter sobre o "ano velho" e o "ano novo". Possuo um programa no Youtube chamado 'Segue no Rolé', te passei uma vez um video na "Pedra da Gavea", não sei se você lembra.. você até me faz um reply. http://seguenorole.wordpress.com segue o blog. Desde já agradeço o seu feedback. Segue email vinicius.covas@hotmail.com
ResponderExcluirAbs!
Adorei!
ResponderExcluirBacana saber da pessoa que tem por trás da poetisa/repórter...
Lindíssimo texto.
ResponderExcluirEstá se tornando redundante para mim dizer isso aqui:você escreve maravilhosamente,com alma,com sentimento...Mas que importa isso?...Que eu seja redundante mesmo,pois essa redundância é a mais pura expressão da verdade...Belíssima carta,belíssimo texto!E deixo aqui o convite para que visite de novo o meu Blog:http://luizfranco-eduardo.blogspot.com Tem vários textos novos que você ainda não viu,e que eu gostaria muito de contar com sua opinião.Fiquei muito feliz,e foi importante para mim,quando você leu e comentou meu texto sôbre Fernando Pessoa.Se me der o prazer,adorarei.Um felicíssimo 2011 prá você e todos os seus!Beijos,amada!
ResponderExcluirNossa!!!q carta linda!!!sempre penso: q garota talentosa é essa..poetisa e grande reporter...q sempre acompanho , isso quando posso rsrsrsr Feliz 2011, pra vc Mariana q Deus te ilumine sempre, pois vc é muito especial para seus fãs!!!
ResponderExcluirE agora, quem é o autor da carta? Linda carta, bom esse costume em tempos de depoimentos do orkut!
ResponderExcluirA Mari realmente é uma graça de pessoa, sem conhecer da pra saber...
Adoro o suspirada!
http://apenas-daniel.blogspot.com/
Não tem como não comentar...
ResponderExcluirParece até que eu deixei pra ler tudo de última hora...
Enfim, não tem como não parar de ler...
Li esse texto ouvindo Queem KKK Assim como as recomendações.
E quem é esse Vinícius que tem o mesmo nome que eu? É quem escreveu a carta?
Sabe, é isso que é o mais gostoso da nossa vida. Não é o dinheiro no final do mês (mesmo que esse tenha lá seus toques de alegria). São as pequenas coisas que nos fazem completo. Amizade, carinho, delicadeza, você comporta muitas dessas simplicidades que a tornam uma moça completa. Não digo todas as simplicidades, pois vamos adquirindo novas a cada dia, e é por isso que nossa vida tem graça.
A busca incessante pelo novo, pela admiração.
E me perdoe mas eu continuarei escrevendo comentários longos tá KKK Escrevo o que sinto, e o que percebo quando a leio. E assim será!
PS.: a menos que me peça pra ser mais preciso!