terça-feira, 14 de agosto de 2012

CARA

Giro entre goles de vinho.
Giro e me encanto por Ele.

O deque fica claro ao pés da lua cheia.
A pedra da piscina reflete as estrelas.
Me and Mrs. Jones ecoa no bairro.
O salto alto encrava entre as toras de madeira.
E danço no escuro, descalça.
Pés gelados no inverno fajuto ganham Celsius.

Um olhar intrigante fita no lusco fusco.
Nem o chapéu de panamá, muito menos o Ray Ban, te escondem de mim.
Já interpretei sua tela. Enxerguei seus traços.

Para estranhos, podes parecer sisudo.
Para sortudos, és adorável.

E ali, na frente dos grafiteiros Gêmeos,
Tateando a textura opaca de Bechara,
Nas ondas das tiras de jornal,
Em meio ao pó da obra,
a Arte sopra da alma a poeira da rotina, como diria Picasso.

Me dá de presente, um quadro diferente. Inesperado.
Com a benção da bela escultura da santa.

Na parede, a máscara de boca carnuda me espia. Desafia.
Pede espaço no coração, por hora, lacrado.
O amontoado de chips sobre o verde fluorescente ilumina a esperança.
Remonta minha cidade preferida.

Com delicadeza, a faca do chef corta os cogumelos.
E a frigideira alaranjada evapora o aroma da trufa.
A obra-prima ganha raminho colhido na hora.

Mais vinho. Mais dança Mais arte.
A mesa da sala, suas quinas e curvas, me abriga.

O abraço é longo.
Dura bem mais que "The Dark Side of the Moon".
Pena. O sofá espaçoso vai sair dali...

Na moto, o vento no rosto encoraja.
Passeio que deixa marca no tornozelo.
No fim do jantar, o aperto no braço.

Angra parece eternidade. Parece paraíso. Parece dias num só.
Na estrada escura, Ella Fitzgerald nos acompanha.
Seu silêncio no percurso me faz pensar.

Quem é o "CARA"? O que há comigo?
Ainda não sei dizer...

Por hora,
Giro e me divirto entre goles de vinho.
Giro e me encanto por Ele.

terça-feira, 15 de maio de 2012

DO VENTO

De mim.

Vai fugindo de mansinho.
Sem dizer para onde.
Vai deixando o cantinho.
Onde o amor se esconde.

Não penso mais em ti.
A paixão se enxugou.
Nossa música, esqueci.
Seu cheiro evaporou.

Meu peito está vazio.
Coração que bate lento.

Mas já sinto arrepio.
Do bem que vem no vento.

Quero o que não vi.
Anseio quem não conheço.
Hoje amanheci.
Farejando seu apreço.

Surja devagar. Revele o seu jeito.
Conquiste um lugar. Aqui no meu peito.

Cisma de mulher,Ou pura intuição.
Venha o que vier,
Termine essa canção.

Comigo.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Cães e Escombros




Três construções ruíram no Centro.
Vigas não quebraram.
Não racharam.                                      
Se desmancharam em pó fino.
Em segundos.

Um amontoado estranho na esquina do Teatro Municipal.
Montanha de poeira incandescente em frente à Cinelândia.
Fumaça, ora negra, ora branca, ventava por fendas soterradas.
Cabos de energia em curto. Bujões de gás. Papéis chamuscados.
E o trabalho de uma vida inteira irreconhecível.
Nenhum sinal de sobreviventes .

Em meio à angústia das famílias,
ao olhar estarrecido dos vizinhos,
ao suor dos bombeiros,
à apuração dos repórteres mascarados,
Dois garimpeiros sem pá.

Chegaram de caminhão.
A priore, ficaram longe, amarrados,
Se distraindo com uma bolinha de borracha.
Era preciso aguardar o descanso das escavadeiras.

No intervalo, seguiram para o entulho.
Uma busca precisa. Silenciosa. Limpa.
Os dois percorrem a área rapidamente.
Obstáculos perigosos são vencidos aos pulos.
Com rabinho abanando. 

_Vai lá, Boris! Cadê? Cadê?_ instiga o treinador.

O trote pelo cenário da tragédia é interrompido de repente.
Boris pára e retorna ao trecho já checado pelo focinho.
Testa mais uma vez o mesmo ponto. E segue o passeio.

Segundos depois, arrasta a pata dianteira sobre outra laje.
Late e salta.

A brincadeira do labrador achara um homem.
Um morador de rua já sem vida.
Enterrado antes de morrer.

Enquanto as equipes retiravam terra para resgatar o corpo, parentes choravam e a imprensa se pasmava com o estado daquele pobre senhor.

O cão seguia latindo.
Talvez ansioso para seguir na brincadeira.

Boris encontrou outros três corpos naquela tarde.

No fim do dia, ganhou biscoito, pote com água fresca e afago da mãe de um dos jovens encontrados .

_Graças a esse cachorro, meu coração se acalmou. _ disse Dona Yaçanã.

O filho dela não estava vivo.

_Agora, ao menos, ele terá enterro digno. Era um bom homem. Não merecia terminar aqui.
Será meu último carinho de mãe._

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

BANCADA



Na carreira que escolhi, promoções são públicas.
Estreias, encaradas ao vivo.
Desafios, via satélite.

Era sábado. Era cedo.
Segui para a emissora com jornais, aindas quentes, embaixo do braço.
A chuva no Norte, as obras da cidade, os ensaios de Carnaval.
Tudo na ponta da língua, na vista, entranhado na massa cinzenta.

No camarim, Ronald, o maquiador, animado ao som de funk.
Olhos concentrados iam se colorindo de sombra e rímel.
Entre pinceladas, um filme dos últimos anos:
Da jovem comunicativa escolhendo a profissão, da estagiária do rádio, da intrépida repórter de tv.

Lembrei do carpete da casa do meu pai.
Eu me sentava no chão para ver o RJTV, logo depois da série de desenho animado.
A TV, grande e larga, tinha antena escorada na estante lateral e botões giratórios de volume. 
Enquanto vestia as barbies, ouvia, caladinha, as notícias na voz de Fatima Bernardes, Leilane Neubarth, Marcos Hummel...
Não podia interromper Carlos Fernando, interessado nas manchetes do dia.

Anos depois, quem diria, naquele mesmo apartamento,
o silêncio viria com meu "boa tarde".
E o estúdio seria meu carpete.
Não vesti bonecas. Vesti-me de apresentadora.

Já pronta, olhei o espelho que já refletiu tantos ídolos.
Encarnei a nova personagem.

Jorge Fernando, o diretor de TV, era o entrevistado do dia.
No elevador, ele soube que seria minha primeira vez.
Me recomendou sacudir as mãos até deixá-las dormentes.
Uma espécie de catarse que libera e busca energia no ar.
Foram 12 andares quebrando a munheca.

No alto do prédio, um estúdio de cenário acolhedor.
A vista deslumbrante da cidade onde nasci.
Os pontos turísticos abençoando.
E a bancada, me esperando.

Jornal no ar. Coração em compassos diferentes.
Meu foco fechado em cada bloco. Até nos intervalos.

Por um momento, senti certo orgulho de mim.
Orgulho pela conquista da confiança.
Minha e dos outros.
Estava lá a carioca apaixonada, cheia de microfone.
Cheia de voz. Sozinha.
Noticiando as mazelas do Estado.
Cobrando atitudes das autoridades.
Celebrando também a alegria de morar aqui.

É por isso que fiz jornalismo.

Na carreira que escolhi, os desafios são via satélite.

Que sejam... 

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Dedico o texto a Carlos Fernando Gross (meu pai)
Cecília Mendes (editora-chefe do RJTV) e
Bernardo Jablonski (meu eterno professor de teatro).

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A Alegria Pode Ser Simples

Não havia grãos desocupados.
A chuva caía sem dó. Sem intervalo para evaporar.
Penteados, tecidos caros, perfumes...
Desmanchavam na areia.
Diluíam na correnteza.
Como oferendas para Iemanjá.

Eram milhões.
Ensopados. Mas, de verdade.
Revelando no rosto, de maquiagem derretida,
a marca do tempo.
Que ia passar, mais uma vez, em breve.
Que tinha que mudar para melhor dali pra frente.

Se o minuto fosse efêmero para os pedidos,
A prece poliglota se apressava.
Um sussurro universal na praia famosa.
Em inglês, o americano rezava por saúde.
Em francês, o belga gritava por dinheiro.
E em bom português, o brasileiro evocava a paz ao som de atabaques.

Cada qual com seu Deus, seu Orixá, seu Messias.
Crenças ecoavam sem fronteiras.
Sem trauma, sem passado.
Em Copacabana, a fé é ecumênica.
Qualquer religião tem o mar como testemunha.

No altar improvisado do Candomblé, a vela apagou.
O isqueiro do judeu deu luz à chama a tempo do ritual.
A emoção da carola contida com o lenço do angolano.
A dança de umbanda sacudia os gringos.

Afeto livre, a céu aberto.
O jovem gay abraçou o namorado a meia noite.
A adolescente teve a primeira bitoca roubada.
O casal de idosos festejou mais um ano de amor com beijo comovente.
A criança chorou com o barulho dos fogos.
E críticos picharam a pirotecnia a cada explosão.

Mais chuva, pés enrugados, banheiros afastados, multidão, cerveja cara, sapatos perdidos.

E a felicidade ali. Escancarada.

A repórter passou o Reveillon trabalhando.
Viveu a virada observando.
Tentando entender o motivo do entusiasmo.
Molhada com a água que escorria do céu.

Meu ano chega com esperança.
Com descobertas. Com alma lavada.
Desapegada.

Sim.
A Alegria pode ser simples.