quarta-feira, 28 de julho de 2010
Generosidade
Na embriaguez, abrigo.
Na ousadia, incentivo.
Na covardia, compreensão.
Na entrega, tesão.
No silêncio, espaço.
Na energia, cansaço.
No escuro, ilumino.
Na dúvida, opino.
Na dor, o trato.
Na fome, o prato.
Na oferta, fidelidade.
No vazio, generosidade.
No beijo, magia.
No temor, alegria.
Te dou.
Sabia?
sábado, 24 de julho de 2010
Filosofia de Caminhão
"Encha uma bacia com água. Puxe-a pra perto e o líquido escorre pro outro extremo. Empurre a bacia pra longe e o líquido se aproxima de você."
O provérbio no pára-choque de um caminhão, circulava reluzente como neon na via expressa. Anotei a frase no caderninho enquanto seguia para uma reportagem na Baixada Fluminense num domingo de plantão.
A experiência sugerida parece fácil.
Faça em casa e conjecture.
Água, apesar de vital, é insípida, incolor e inodora.
Quer um desafio bem mais instigante? Ponha um homem na bacia.
Mas não vale um cara qualquer. Me refiro ao macho que ataca os sentidos. Olfato, paladar, visão.
Como afastar a bacia?
Avistei o tal caminhão do provérbio parado no posto de gasolina. Paramos estratégicamente para abastecer. Não resisti e me aproximei da carreta abarrotada de ovos. Para minha surpresa, o motorista era uma mulher. Abordei a estranha. Uma mineira de uns cinquenta anos, magra, sorriso largo, braços fortes, mãos calejadas, mas com unhas impecávelmente coloridas de vermelho. Ali mesmo, à beira do asfalto, a caminhoneira deu um banho de sabedoria. Uma entrevista informal sobre a vida que vale a pena ser reproduzida.
Aquela senhora com sotaque carregado aprendeu a combater as desiluções nas curvas acentuadas das rodovias.
_Fico apaixonada sem ser correspondida? Sumo nas estradas sem deixar rastro. Se ele sentiu algo por mim, que venha atrás das marcas do meu pneu._disse ela.
Entre um cafezinho e outro seguimos com a aula:
_Quando o moço é diversão. Balanço a bacia sem medo. Pra lá e pra cá. A correnteza fica mais forte quando me convém. Mas não passa de marola.
_A onda perfeita requer sofrimento. Desprezo. Quando menos se espera, ela surge para você surfar.
E olha que em Minas não tem praia... Mas tem bacia...
Pelo visto, muita bacia...
_ Tenho cinco filhos, cada um com um homem diferente. Faço o que eu quero da vida. Todos os meus maridos querem voltar pra mim. No ano que vem me aposento e aí vou me aquietar.. Mas não vou escolher nenhum deles. Quero um cabra novo para mandar em mim.
A motorista ensina que para agir assim, é preciso conhecer os meandros da estrada. Ter quilômetragem.
_Menina novinha num guenta, não. Fica correndo atrás. Sufocando o macho. Se soubesse disso aos vinte, num teria sobrado um pra contar história. Gargalhada geral.
_Programe o percurso direitinho, igual eles fazem. Esqueça o coração batendo forte e aja com a cuca. Suporte a solidão, você num vai morrer. O pneu pode furar no caminho. Nesse caso, troque logo e siga em frente.
À essa altura, esqueci que tinha uma reportagem pra fazer.
A prosa com a guru do asfalto seguiu por mais vinte minutos.
_ Tira o pé do acelerador. Vai só regulando com a embreagem, sem pressa. Na maciota. Senão, espanta o alvo. A água vaza pra fora da bacia, entendeu?.
Você não tá gravando isso não, né filha?
Não, Dona Vani. Só na memória...
Boa viagem.
O provérbio no pára-choque de um caminhão, circulava reluzente como neon na via expressa. Anotei a frase no caderninho enquanto seguia para uma reportagem na Baixada Fluminense num domingo de plantão.
A experiência sugerida parece fácil.
Faça em casa e conjecture.
Água, apesar de vital, é insípida, incolor e inodora.
Quer um desafio bem mais instigante? Ponha um homem na bacia.
Mas não vale um cara qualquer. Me refiro ao macho que ataca os sentidos. Olfato, paladar, visão.
Como afastar a bacia?
Avistei o tal caminhão do provérbio parado no posto de gasolina. Paramos estratégicamente para abastecer. Não resisti e me aproximei da carreta abarrotada de ovos. Para minha surpresa, o motorista era uma mulher. Abordei a estranha. Uma mineira de uns cinquenta anos, magra, sorriso largo, braços fortes, mãos calejadas, mas com unhas impecávelmente coloridas de vermelho. Ali mesmo, à beira do asfalto, a caminhoneira deu um banho de sabedoria. Uma entrevista informal sobre a vida que vale a pena ser reproduzida.
Aquela senhora com sotaque carregado aprendeu a combater as desiluções nas curvas acentuadas das rodovias.
_Fico apaixonada sem ser correspondida? Sumo nas estradas sem deixar rastro. Se ele sentiu algo por mim, que venha atrás das marcas do meu pneu._disse ela.
Entre um cafezinho e outro seguimos com a aula:
_Quando o moço é diversão. Balanço a bacia sem medo. Pra lá e pra cá. A correnteza fica mais forte quando me convém. Mas não passa de marola.
_A onda perfeita requer sofrimento. Desprezo. Quando menos se espera, ela surge para você surfar.
E olha que em Minas não tem praia... Mas tem bacia...
Pelo visto, muita bacia...
_ Tenho cinco filhos, cada um com um homem diferente. Faço o que eu quero da vida. Todos os meus maridos querem voltar pra mim. No ano que vem me aposento e aí vou me aquietar.. Mas não vou escolher nenhum deles. Quero um cabra novo para mandar em mim.
A motorista ensina que para agir assim, é preciso conhecer os meandros da estrada. Ter quilômetragem.
_Menina novinha num guenta, não. Fica correndo atrás. Sufocando o macho. Se soubesse disso aos vinte, num teria sobrado um pra contar história. Gargalhada geral.
_Programe o percurso direitinho, igual eles fazem. Esqueça o coração batendo forte e aja com a cuca. Suporte a solidão, você num vai morrer. O pneu pode furar no caminho. Nesse caso, troque logo e siga em frente.
À essa altura, esqueci que tinha uma reportagem pra fazer.
A prosa com a guru do asfalto seguiu por mais vinte minutos.
_ Tira o pé do acelerador. Vai só regulando com a embreagem, sem pressa. Na maciota. Senão, espanta o alvo. A água vaza pra fora da bacia, entendeu?.
Você não tá gravando isso não, né filha?
Não, Dona Vani. Só na memória...
Boa viagem.
sexta-feira, 16 de julho de 2010
Olá
Iansã queria molhar.
Na manhã cinzenta, a busca por respingos valiosos da orixá.
Caminhei a pedra portuguesa já manchada por meu rastro.
A chuva morna deslizava a pele, a alma.
Turistas observavam a alegria de viver no Rio, faça sol ou faça temporal.
No Arpoador, vinho chileno em mesa debruçada na areia.
Nas orelhas, a provocação de Stacey Kent.
No horizonte nublado, um olhar castanho de pestanas longas.
Aproximação elogiosa: o monossilábico, mas eficiente olá.
O amigo atleta surgira de bicicleta oferecendo outra taça.
Ocupou, sem convite, a cadeira oposta com cachos de mel.
Conversa fluente com o inesperado.
Horas de coincidências ensopadas por gotas que encorpavam.
Folhas da amendoeira evitavam a diluição do encontro.
Ficaríamos até o fim. Até o granizo. Até ressecar.
A praia, mágica, toda nossa e do garçom impávido.
Era como se o SOL estivesse brilhando.
Bronzeamento intenso sem fator de proteção. Sem filtros.
A garrafa se vai. E eu também.
No caminho de volta, o encontro provocado.
Carona na garupa debaixo do toró.
_Me abraça forte, vou acelerar.
Enxugo o rosto nas costas úmidas.
No balanço do pedal, esqueço a cidade.
No auge da embriaguez, um mergulho no mar exclusivo e quente de Ipanema. De roupa e tudo.
O braço forte salva do caldo, da descrença.
Um beijo roubado. Salgado.
Mais chuva pra brindar.
Iansã queria molhar.
domingo, 11 de julho de 2010
Tarada
O camarim de uma repórter é itinerante. Improvisos em movimento... Batons e escovas no carro acelerado, no helicóptero turbulento, na calçada escura. Quinquilharias viajam conosco.
São testemunhas do caos, da violência, do tumulto.
Itens que deixam a pia para nadar contra o fluxo dentro da bolsa.
Ao olhar o mapa do estado, descubro que o Rio ficou pequeno.
São poucos os recantos inexplorados.
Na tela, divido imagens. Na mente, guardo os bastidores.
Depois de abraçar a profissão, acompanho telejornais com perguntas íntimas:
_Como será que essa jornalista chegou até aí? _Onde ela vai dormir? Vai tomar banho hoje?
Para mulheres, o desafio é maior. Envolvidas pela adrenalina da notícia, muitas vezes esquecem do trivial. Da bexiga cheia. Quando começa a apertar, é preciso perder a cerimônia.
Coleciono banheiros inusitados em minhas peripécias jornalísticas.
Certa vez, de plantão na porta de um hospital público, busquei alívio na funerária em frente.
No pequeno banheiro embaixo da escada, um depósito de caixões infantis.
Um pipi mórbido.
Numa casa humilde nos confins de Itaboraí, não tinha vaso sanitário.
Tive que mirar num buraco aberto no chão de terra batida.
Um pipi aéreo.
Como vêem, me libertei de frescuras em prol das necessidades básicas.
Uma única fobia profunda, porém, ainda me abate. Desatina.
Há poucos meses, numa terça-feira de trabalho insano, percorri a cidade em reportagens alucinantes. Tiroteio na favela, assalto na auto-estrada. A última tarefa seria entrar ao vivo às sete da noite.
A equipe me aguardava em frente ao Hospital do Fundão. Lá daria as últimas informações sobre o surto de gripe suína. Cheguei em cima da hora. Tinha então vinte minutos para apurar as novidades antes de entrar no ar. Não conseguia assimilar o balanço mais recente da doença. Dados divulgados pelo médico se perdiam no vento. Algo me incomodava.
Foi aí que lembrei. Estava apertada há tempos.
Descobri um banheiro nos fundos da cantina da Universidade.
Entrei esbaforida.
Uma aluna alertou que a luz estava queimada e se prontificou a vigiar a porta que não tinha maçaneta.
Um pipi no breu.
Melhor assim. Só depois vi onde estava pisando.
Quando abri a porta, um feixe de luz revelou o pior: O chão estava repleto de baratas cascudas.
O inseto repugnante age como criptonita em meu heroísmo.
Saí às pressas sem lavar as mãos.
Já junto da equipe, operadores de áudio iniciam o ritual de instalar equipamentos e fios em minhas costas para a entrada no telejornal.
De repente, um deles diz a frase funesta:
_ Eu vi um bicho entrando na sua calça.
Senti a inimiga percorrendo a canela. Provavelmente saiu clandestina daquele banheiro fétido agarrada a meu jeans. Perdi as estribeiras. Pulei feito milho em óleo quente.
A intrusa continuava subindo. O jeito foi baixar as calças.
Medida extrema, acertada e rápida. O semi strip-tease durou apenas o bastante para eliminar a cretina.
A ousadia da barata foi castigada com um sonoro e mortal pisão do cinegrafista.
Caí em prantos enquanto meus colegas aplaudiam a atitude inédita.
Os quatro não viram nada além de alguns segundos de calcinha cor de rosa.
Rendinhas ao relento marcaram o imaginário.
Até hoje ouço comentários.
Dois minutos depois, lá estava eu no vídeo.
Sem lágrimas e cheia de números para divulgar.
Improvisos em movimento...
São testemunhas do caos, da violência, do tumulto.
Itens que deixam a pia para nadar contra o fluxo dentro da bolsa.
Ao olhar o mapa do estado, descubro que o Rio ficou pequeno.
São poucos os recantos inexplorados.
Na tela, divido imagens. Na mente, guardo os bastidores.
Depois de abraçar a profissão, acompanho telejornais com perguntas íntimas:
_Como será que essa jornalista chegou até aí? _Onde ela vai dormir? Vai tomar banho hoje?
Para mulheres, o desafio é maior. Envolvidas pela adrenalina da notícia, muitas vezes esquecem do trivial. Da bexiga cheia. Quando começa a apertar, é preciso perder a cerimônia.
Coleciono banheiros inusitados em minhas peripécias jornalísticas.
Certa vez, de plantão na porta de um hospital público, busquei alívio na funerária em frente.
No pequeno banheiro embaixo da escada, um depósito de caixões infantis.
Um pipi mórbido.
Numa casa humilde nos confins de Itaboraí, não tinha vaso sanitário.
Tive que mirar num buraco aberto no chão de terra batida.
Um pipi aéreo.
Como vêem, me libertei de frescuras em prol das necessidades básicas.
Uma única fobia profunda, porém, ainda me abate. Desatina.
Há poucos meses, numa terça-feira de trabalho insano, percorri a cidade em reportagens alucinantes. Tiroteio na favela, assalto na auto-estrada. A última tarefa seria entrar ao vivo às sete da noite.
A equipe me aguardava em frente ao Hospital do Fundão. Lá daria as últimas informações sobre o surto de gripe suína. Cheguei em cima da hora. Tinha então vinte minutos para apurar as novidades antes de entrar no ar. Não conseguia assimilar o balanço mais recente da doença. Dados divulgados pelo médico se perdiam no vento. Algo me incomodava.
Foi aí que lembrei. Estava apertada há tempos.
Descobri um banheiro nos fundos da cantina da Universidade.
Entrei esbaforida.
Uma aluna alertou que a luz estava queimada e se prontificou a vigiar a porta que não tinha maçaneta.
Um pipi no breu.
Melhor assim. Só depois vi onde estava pisando.
Quando abri a porta, um feixe de luz revelou o pior: O chão estava repleto de baratas cascudas.
O inseto repugnante age como criptonita em meu heroísmo.
Saí às pressas sem lavar as mãos.
Já junto da equipe, operadores de áudio iniciam o ritual de instalar equipamentos e fios em minhas costas para a entrada no telejornal.
De repente, um deles diz a frase funesta:
_ Eu vi um bicho entrando na sua calça.
Senti a inimiga percorrendo a canela. Provavelmente saiu clandestina daquele banheiro fétido agarrada a meu jeans. Perdi as estribeiras. Pulei feito milho em óleo quente.
A intrusa continuava subindo. O jeito foi baixar as calças.
Medida extrema, acertada e rápida. O semi strip-tease durou apenas o bastante para eliminar a cretina.
A ousadia da barata foi castigada com um sonoro e mortal pisão do cinegrafista.
Caí em prantos enquanto meus colegas aplaudiam a atitude inédita.
Os quatro não viram nada além de alguns segundos de calcinha cor de rosa.
Rendinhas ao relento marcaram o imaginário.
Até hoje ouço comentários.
Dois minutos depois, lá estava eu no vídeo.
Sem lágrimas e cheia de números para divulgar.
Improvisos em movimento...
terça-feira, 6 de julho de 2010
Teimosia
Teimosia é fluido.
Saliva que não seca.
Brota voluntariosa.
Azeda o gosto.
Esguicha a estima.
Viscosa.
Penetra o lábio.
Jorra o beijo .
Pára o tempo.
Baba a insistência.
Teimosia é cuspe na cara.
Agride sem ferir.
Escorre sem ver.
Muda o prumo.
Umedece a ética.
Desatina.
Seque a secreção.
Desidrate a goela.
Murche o músculo.
Marrete o crânio.
Rasgue entranhas.
Tranque o peito.
Depois,
lamba as feridas.
Homenagem singela ao poeta Augusto dos Anjos, mestre da escatologia.
segunda-feira, 5 de julho de 2010
Segredo
A vida é um livro em construção. Uma prova de resistência.
Até aqui, meus capítulos eram públicos.
Não havia cola ou grampos limitando a leitura.
A consciência diária de quão breve é o tempo, catapulta ao intenso.
Não faltam situações vibrantes. Surpresas agradáveis. Começos no primeiro pelotão.
Passeio pelo inusitado com destreza.
Preencho páginas em branco com pique de atleta sem medo de contusões.
A maratona segue com a divulgação do feito.
Uma exímia e carismática contadora de histórias. No almoço da família, na rodinha do Baixo, não levanto a mão para pedir a vez. Tenho sempre à volta público ávido por detalhes e a conversa flui sem cronômetros.
Vibro em conjunto, sofro acompanhada.
Entre as estratégias para completar o trajeto dos trinta quilômetros, ou trinta anos, sem dores musculares está um sachê. Na fórmula, carboidrato e pudor. O ritmo da corrida capta energias externas.
Hoje, censuro anúncios alegres. Olho por onde piso.
Vislumbro o final feliz.
Conquistas em andamento devem ficar longe das pistas, até que se cruze a linha de chegada. Sucesso revelado pela bandeirada final, jamais pelo corredor.
Já tenho uma estante de medalhas. Vitórias puras, livres de obstáculos invejosos. De falsos aplausos.
Para não queimar a largada, elejo ouvidos privilegiados.
Não necessariamente orelhas antigas, irmãs ou que apuraram a audição ao passo das minhas. A escolha é pura intuição.
Olho no olho. Ou um pouco mais que isso.
Segredos agora ficam em baú de antiquário.
A chave só sai do molhe quando a caminhada requer opinião especializada, de quem acompanha o pingar do meu suor.
Fatos são então compartilhados em aura de genuína torcida.
Tenho chaves de outrem em mãos.
Remexo bugigangas alheias quando solicitada.
Confiança se conquista aos poucos, aos centímetros.
O raio de atuação é mínimo.
Quando parceiros de treino são descobertos, trate-os com generosidade. Eles merecem ver-te superando limites. Por vezes, propõem exercícios duros em busca da sua velocidade. Do tiro perfeito. São anabolizantes naturais.
Não tente ditar a cadência das passadas.
Apenas conte e ouça. Sem ultrapassagens.
Siga avançando o asfalto lado a lado.
O frasco de cola, o grampeador, a chave, não precisam ficar só sob sua guarda. Basta não jogá-los para a arquibancada.
Troféus a vista.
Até aqui, meus capítulos eram públicos.
Não havia cola ou grampos limitando a leitura.
A consciência diária de quão breve é o tempo, catapulta ao intenso.
Não faltam situações vibrantes. Surpresas agradáveis. Começos no primeiro pelotão.
Passeio pelo inusitado com destreza.
Preencho páginas em branco com pique de atleta sem medo de contusões.
A maratona segue com a divulgação do feito.
Uma exímia e carismática contadora de histórias. No almoço da família, na rodinha do Baixo, não levanto a mão para pedir a vez. Tenho sempre à volta público ávido por detalhes e a conversa flui sem cronômetros.
Vibro em conjunto, sofro acompanhada.
Entre as estratégias para completar o trajeto dos trinta quilômetros, ou trinta anos, sem dores musculares está um sachê. Na fórmula, carboidrato e pudor. O ritmo da corrida capta energias externas.
Hoje, censuro anúncios alegres. Olho por onde piso.
Vislumbro o final feliz.
Conquistas em andamento devem ficar longe das pistas, até que se cruze a linha de chegada. Sucesso revelado pela bandeirada final, jamais pelo corredor.
Já tenho uma estante de medalhas. Vitórias puras, livres de obstáculos invejosos. De falsos aplausos.
Para não queimar a largada, elejo ouvidos privilegiados.
Não necessariamente orelhas antigas, irmãs ou que apuraram a audição ao passo das minhas. A escolha é pura intuição.
Olho no olho. Ou um pouco mais que isso.
Segredos agora ficam em baú de antiquário.
A chave só sai do molhe quando a caminhada requer opinião especializada, de quem acompanha o pingar do meu suor.
Fatos são então compartilhados em aura de genuína torcida.
Tenho chaves de outrem em mãos.
Remexo bugigangas alheias quando solicitada.
Confiança se conquista aos poucos, aos centímetros.
O raio de atuação é mínimo.
Quando parceiros de treino são descobertos, trate-os com generosidade. Eles merecem ver-te superando limites. Por vezes, propõem exercícios duros em busca da sua velocidade. Do tiro perfeito. São anabolizantes naturais.
Não tente ditar a cadência das passadas.
Apenas conte e ouça. Sem ultrapassagens.
Siga avançando o asfalto lado a lado.
O frasco de cola, o grampeador, a chave, não precisam ficar só sob sua guarda. Basta não jogá-los para a arquibancada.
Troféus a vista.
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